Supremo volta atrás e valida leis originadas de medidas provisórias.


Brasília Um nó legislativo levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a reavaliar hoje (8) a decisão que anulou a lei que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Uma questão de ordem trazida pela Advocacia-Geral da União (AGU) mostrou que essa decisão abriria brecha para que 500 leis aprovadas no mesmo modelo fossem questionadas judicialmente, criando insegurança jurídica e a impossibilidade de reapreciação em tempo hábil no Legislativo.

Ontem (7), o STF entendeu que a criação do ICMBio era inconstitucional porque a medida provisória que deu origem ao órgão foi aprovada de forma errada no Legislativo. Desde 2001, uma emenda à Constituição determina que as medidas provisórias devem ser apreciadas por uma comissão parlamentar mista antes de passar pelos plenários da Câmara e do Senado. No entanto, poucas medidas provisórias obedeceram a esse rito, entre elas, a MP que criou o Instituto Chico Mendes.

No julgamento desta tarde, o relator Luiz Fux externou a preocupação trazida pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Por meio de questão de ordem, o advogado alertou que o julgamento de ontem levaria a uma grave distorção de todo o sistema, provocando uma corrida ao Poder Judiciário para anular 500 leis aprovadas da mesma forma.

Os ministros compartilharam a preocupação de Fux. De fato, a situação é muito grave, talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado, tendo em vista que a dimensão vai muito além do que o caso que foi objeto de discussão, disse Gilmar Mendes.

Para solucionar o impasse, a Corte optou por tornar obrigatória a etapa da comissão mista apenas para as medidas provisórias editadas daqui para a frente. Além de validar a existência do Instituto Chico Mendes, a decisão de hoje valida todas as leis aprovadas no mesmo modelo. Outra consequência da decisão de hoje é que as MPs que já estão no Congresso Nacional não serão afetadas e continuarão tramitando sob as regras que valiam anteriormente.

Decisão sobre rito de MPs confirma jurisprudência do STF.

A reformulação da decisão sobre o rito das medidas provisórias, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (9/3), gerou intensa especulação sobre o suposto recuo da alta corte frente à ameaça de um vendaval de ações judiciais. O efeito retroativo da decisão abriria um vasto precedente para o questionamento de leis geradas por MPs, criando enorme insegurança jurídica.

Um breve exame na jurisprudência recente do Supremo Tribunal, contudo, demonstra que a correção de rumo na ação direta de inconstitucionalidade contra a lei que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é menos um rompante motivado por pressão política e pela opinião pública e mais o resultado da continuidade de seu entendimento no que se refere à consolidação dos efeitos da Emenda 32 na atividade do Poder Legislativo.

Desde a vigência da Emenda Constitucional 32, de 2001, que alterou as regras de processamento de medidas provisórias, o STF sinaliza preocupação com o “acanhamento” das competências do Legislativo frente à recorrente adoção, por parte do Executivo, do expediente de editar medidas provisórias como principal via de diálogo com o Parlamento.

Não foi esta a primeira vez que o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade formal e incidental do modo como uma MP foi aprovada sem deixar de resguardar a segurança jurídica de leis indispensáveis, geradas por MPs, que abarcam questões, que vão da gestão da política econômica a matérias tributárias.

Em 2005, quatro anos após a aprovação da Emenda 32 e frente às dificuldades do Legislativo em atender as exigências constitucionais que deveriam pautar a edição de medidas provisórias, o Supremo julgou a ADI 3.289. Ajuizada pelo então PFL (hoje DEM), a Medida Provisória 207, convertida na Lei 11.036/2004, equiparou o caráter do cargo de presidente do Banco Central ao de ministro de Estado.

Na ocasião, o STF julgou como improcedente a ADI, embora tenha reconhecido a falha procedimental envolvendo a aprovação daquela MP. O entendimento da maioria dos integrantes da corte pode ser encontrado no voto do relator, ministro Gilmar Mendes. “A disciplina trazida pela Emenda Constitucional 32, de 2001, embora tenha sido eficaz na fixação de prazo determinado para a apreciação da medida provisória, não foi capaz de eliminar potencial impasse decisório no que diz respeito à discussão da medida provisória no âmbito da comissão mista”, apontava o ministro Gilmar Mendes em 2005.

Salvaguarda constitucional
Assim como no caso da ADI contra a lei que criou o Instituto Chico Mendes, o autor da ação de 2005 argumentava que a medida provisória que equiparou o cargo de presidente do Banco Central ao de ministro de Estado ofendia ao artigo 62 da Constituição, que dispõe sobre a competência da comissão parlamentar mista na apreciação preliminar das MPs.

Há sete anos, a corte reconhecia a “perda do direito de agenda” do parlamento frente à “hipertrofia do Executivo” ao privilegiar as medidas provisórias em seu papel de propositor de leis. No entanto, o mesmo tribunal também observava que a implementação da Emenda 32 ainda se encontrava em uma “fase de consolidação” no que tocava o processamento de MPs.

“Todavia, considerando que ainda estamos em uma fase de consolidação do novo modelo trazido pela Emenda 32 para as medidas provisórias”, escreveu então Gilmar Mendes, “não vejo como adotar interpretação com os rigores pretendidos pelo requerente na ADI 3.289”, ponderou.

Na ação julgada nesta semana, o entendimento da maioria dos ministros do Supremo, de acordo com apuração da reportagem da Consultor Jurídico realizada nesta sexta-feira (9/3), dia seguinte à decisão sobre a questão de ordem envolvendo a ADI 4.029, é que, embora “heterodoxa”, a decisão de reformar o entendimento do dia anterior corresponde a uma correção pragmática, condizente com a atuação do tribunal em ações de mesmo caráter.

Ao julgar como improcedente a ADI em questão e limitar a exigência do rito para medidas provisórias editadas daqui para frente, o STF teria dado mais um passo no caminho da correção dos “vícios formais” presentes na aprovação das MPs, sem para isso provocar insegurança jurídica e comprometer um universo distinto de leis com histórico semelhante. Seria pelo menos este o entendimento do Plenário e a conclusão de assessores e analistas que acompanharam o julgamento, de acordo com fontes consultadas pela Consultor Jurídico na sexta-feira.

Ainda de acordo com o que foi apurado pela ConJur, a conclusão da maioria da corte é de que a revisão do entendimento de quarta-feira não corresponde a algo novo e inesperado, tampouco a uma hesitação vaga e insegura. Pelo contrário, condiz com uma reformulação objetiva, que corre na direção de promover o equilíbrio interinstitucional, reiterando ao Congresso o seu direito de deliberar e decidir, mesmo frente aos percalços e à dificuldade em por em prática o que foi estabelecido pela Emenda 32.

“Essa falha procedimental, considerando o atual estágio de implementação da Emenda 32, assim como as circunstâncias do caso, em que resta demonstrada a tentativa, por duas vezes, de instalação de comissão mista, no meu entendimento, ainda não permite a formulação de um juízo de inconstitucionalidade por ofensa ao referido parágrafo 9º”, escreveu o relator da ADI 3.289 já em 2005, em entendimento análogo ao caso desta semana.

Fonte: Rafael Baliardo - Repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.

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