Interrupção da gravidez de feto anencéfalo.


A proibição da interrupção de feto anancéfalo foi tema discutido no Superior Tribunal Federal durante a semana do dia 11 de abril. Muitos pensam, refletem e entram em discordância sobre o referido tema, por existir vários motivos que impeçam ou que favoreçam o aborto. A questão em si abrange aspectos ético, social, emocional e, ainda mais, religioso.

Seria uma questão de saúde pública proibir a interrupção da gravidez? A mulher que se sente proibida de realizar o aborto, sentindo-se constrangida, muitas vezes opta pelo aborto ilegal, trazendo, neste ponto, um perigo para a gestante de lesão gravíssima ou até mesmo o seu óbito, uma vez que os abortos realizados ilegalmente não são feitos com as devidas cautelas. Por mais, deveria representar uma faculdade à mulher de querer prosseguir com uma gravidez de risco, ou querer salvar-se quando a indicação de um especialista médico recomendar. A mulher gestante não precisa guardar um tormento para si, que a desumaniza e a destrói psicologicamente, por muitas vezes saber que as chances são mínimas de trazer um filho à luz.
Outra indagação a ser feita é que há legalização em casos de aborto advindos de estupro, chamado de aborto humanitário, obtido como excludente especial da licitude. Neste caso, os filhos são totalmente saudáveis, mas por uma questão histórica, nas quais muitas vezes era uma desonra ao homem possuir uma mulher estuprada ou, então, uma questão de desonra para a própria mulher, pois antigamente as mulheres não deveriam ter realizado cópula carnal para poder se casar.

O bem jurídico protegido nos casos de aborto, sem dúvida, é a vida do ser humano em formação, recebendo tratamento autônomo da ordem jurídica. No entanto, conforme entendimento de Cezar Roberto Bitencourt, nos casos de anancéfalo, não há falar em afetar bem jurídico nos casos de aborto de anencéfalos, uma vez que não há vida viável em formação (morte cerebral), faltando-lhe o suporte fático-jurídico (a potencial vida humana a ser protegida). Não haveria sujeito passivo no caso de feto anancéfalo por faltar-lhe as condições fisiológicas que o permita tornar-se pessoa. Assim como diversos doutrinadores, somente o feto que apresenta capacidade de tornar-se pessoa pode ser sujeito passivo do crime de aborto, motivo que impossibilita a repercussão penal.

O que é anencefalia?
É uma malformação rara do tubo neural , caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária. A falha do fechamento do tubo neural decorre de fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de gestação.

Um estudo realizado no Brasil demonstra que dos fetos que possuem anancefalia, 75% deles já nascem mortos e os que sobrevivem têm uma expectativa extrauterina de no máximo 48 horas. Existe no Brasil um caso isolado de um bebê que conseguiu sobreviver três anos, mas com desenvolvimento inferior aos de sua idade e ele não falava, andava nem enxergava.

Por outro lado, os psicólogos argumentam que a mulher ao realizar o aborto acredita ter rejeitado o filho pela sua má-formação, o que se torna motivo de condenação pessoal, passando a ser assassina por não ter permitido a geração de uma vida. Necessita, ainda, de um acompanhamento profissional após a realização do aborto, para evitar futuras consequências graves.

Posições contrárias
Não há criticar as posições mais conservadoras à vida. No que se refere ao Direito, bem como a vida toda em si, sempre haverá posição contrária a tal pensamento. Pois bem, na questão de poder abortar feto anancéfalo não foi diferente, há posições que defendem a vida independente de qualquer situação que se encontrar. O problema discutido é de quando podemos falar em vida?

Alguns, principalmente a Igreja, utilizam-se de dogmas e princípios da igreja e dizem que a vida se inicia no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo (nidação), pois ou existe vida ou não existe, não há um meio-termo nesse sentido. A partir do embrião a vida começará, sendo questão de tempo para o desenvolvimento do feto.

Posições favoráveis
De certo modo, haverá sempre a posição oposta que acreditará na legalização do aborto de anancéfalo, utilizando-se de argumentos de que há um grande espaçamento entre a antiguidade da lei e a atual tecnologia da medicina.

Considerando os aspectos científicos e psicológicos, a medicina comprovou que não é viável a geração deste tipo de feto ao separar-se do organismo da mãe, pois, após o parto, o feto falecerá.

Repercussão no STF
Por ser uma questão divergente, o judiciário deverá aplicar a lei de maneira mais justa possível, mas que, no entanto, deverá analisar ambas as posições, porém não poderá eximir suas responsabilidades.

Após várias discussões pela possibilidade de realizar o aborto em feto anancéfalo, ofereceu-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal, baseando-se na violação dos preceitos fundamentais da Constituição Federal:

-Artigo IV - dignidade da pessoa humana;

-Artigo 5º, II - princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade;

-Artigo - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

-Artigo 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Em 2004, o ministro Março Aurélio já havia concedido liminar ad referendum do Tribunal Pleno, para então conhecer o Direito Constitucional da gestante de se submeter à operação de parto, seguido do laudo medido atestando a deformidade, fundamentando seu voto ao dizer que a permanência do feto mostra-se potencialmente perigosa, podendo ocasionar danos à saúde e à vida da gestante e que a lógica irrefutável da conclusão sobre a dor, a angústia e a frustração experimentadas pela mulher grávida ao ver-se compelida a carregar no ventre, durante nove meses, um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá. No entanto, o Pleno do STF reuniu-se para apreciar a questão do mérito e acabou por revogar parte da liminar do ministro Março Aurélio, que reconhecia o direito da gestante de submeter-se a operação terapêutica de parto.

Após todo esse tempo de discussão, de 2004 até 2012, a decisão foi de oito votos a favor da ADPF 54, sendo somente dois contrários. O ministro Toffoli deixou de votar por ter participado da tramitação da ADPF 54, a qual foi ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), declarando-se impedido por ter se manifestado sobre o caso quando ainda era advogado-geral da União. Os ministros Março Aurélio Mello (relator), Joaquim Barbosa, Rosa Webber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Melo votaram pela procedência, e os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso decidiram contra a ADPF.

O ministro Peluzo informou que Ser humano é sujeito de direito. E é sujeito de direito por outra boa razão curta, mas decisiva, consistente em que, embora não tenha personalidade civil, o nascituro é - anencéfalo ou não - investido pelo ordenamento... de resguardo de seus direitos

Por outro lado, o ministro Relator Março Aurélio entendeu que o feto anancéfalo é um morto cerebral, que não haveria possibilidade de possuir vida extrauterina, e que seria uma tortura a submissão da mulher em portar o feto natimorto.

Com o voto contra, o ministro Lewandowski informou que quando a lei é clara, não há espaço para a interpretação, e que até o presente momento, os parlamentares, legítimos representantes da soberania popular, houveram por bem manter intacta a lei penal no tocante ao aborto, em particular quanto às duas únicas hipóteses nas quais se admite a interferência externa no curso regular da gestação, sem que a mãe ou um terceiro sejam apenados, sendo, portanto, questão para o Poder Legislador resolver, o qual já é Projeto de Lei (PL nº 4403/2004) para se alterar o artigo 128 do Código Penal.

Antigamente, com a falta de tecnologia na medicina, impossibilitava a verificação de um feto anancéfalo ou não, legalizando, como é atualmente, somente o aborto em casos humanitários (decorridos de estupro) ou quando causar mal à saúde da gestante. Porém, atualmente, não se pode negar a interrupção da gravidez à mãe gestante que submete-se a realizar por vontade própria.

Extraído de: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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