Mantida quebra de sigilo bancário de construtora investigada por desvio de verbas públicas.


A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a quebra de sigilo bancário de duas contas da construtora ARG Ltda. no Banco Rural. Seguindo o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, a Turma negou recurso em mandado de segurança da empresa. 

A construtora é investigada por suspeita de participação em desvio de verbas públicas em licitação e execução de obras em Santa Catarina. A empresa argumentou que o dinheiro público obtido com o contrato era movimentado apenas no Banco do Estado de Santa Catarina e no Banco do Brasil. Por isso, alegou que a extensão da quebra de sigilo bancário a contas no Banco Rural seria medida exagerada, desnecessária e abusivamente ilimitada. 
A relatora, que já havia negado pedido de liminar nesse mesmo recurso, ressaltou que a proteção ao sigilo fiscal e bancário é direito individual não absoluto. Assim, pode ser quebrado em casos excepcionais, quando presentes circunstâncias que evidenciem a existência de interesse público relevante ou que indiquem a possibilidade de prática de crime. 

No caso, o Ministério Público Federal apontou que a maior parte das verbas públicas obidas pela ARG saiu do Branco do Brasil para o Banco Rural, o que motivou o pedido de nova quebra de sigilo.

Para a ministra Laurita Vaz, a quebra de sigilo das contas no Banco Rural está devidamente fundamentada, pois a autoridade judiciária agiu em conformidade com a legislação vigente.

Autor: Coordenadoria de Editoria e Imprensa


Sigilo bancário
por Pedro Julião Bandeira Régis Júnnior


SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. SIGILO BANCÁRIO: FUNDAMENTO E NATUREZA; 3. SIGILO BANCÁRIO E A LEI COMPLEMENTAR Nº 105; 4. CONCLUSÕES ; 5. BIBLIOGRAFIA 

1. INTRODUÇÃO

O incremento natural das atividades comerciais e de serviços, na sociedade moderna, desenvolveu a necessidade de estabelecimento de diversas relações sociais e econômicas. Disto decorre a necessidade do sigilo. Os indivíduos, que confiam informações de seus negócios e até mesmo de sua vida privada às instituições financeiras, profissionais especializados, necessitavam do segredo destas informações, assim como os bancos e os profissionais de áreas específicas de atuação necessitavam da chancela estatal do sigilo, propiciador da regulamentação de sua implantação, visando a conquista da confiança de seu eventuais clientes.

Paralelamente ao sigilo bancário, que recai como dever sobre as instituições financeiras, mais especificamente os bancos, há o sigilo fiscal, dever do Estado de não divulgar as informações confiadas pelos cidadãos, que como contribuintes prestam informações a diversos órgãos públicos.

Observa-se que o sigilo origina-se no dever de sigilo decorrente do exercício de profissão, dever este incontestável, uma vez que não se admite do médico, advogado ou, mesmo, do padre atitude leviana de divulgar informação confiada em função de sua atividade.

O nosso ordenamento jurídico regulou esta questão confiando-lhe caráter constitucional, dentre as garantias do cidadão, o direito à intimidade e ao sigilo de informações. Ocorrem, respectivamente, nos incisos X e XII do artigo 5º da CF/88, sendo considerados como dispositivos de segurança, preventivos:

“ (...) X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou material decorrente de sua violação;

(...) XII – É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”

2. SIGILO BANCÁRIO: FUNDAMENTO E NATUREZA

À doutrina não restava dúvida quanto à proteção ao sigilo bancário, que claramente estava coberto pelo disposto nos incisos acima, porém, surgia, sempre, uma questão quanto ao fundamento do sigilo bancário. Este, decorria do inciso X ou do inciso XII, do referido artigo 5º da CF/88?

Para alguns doutrinadores, a proteção ao sigilo decorria do inciso XII, enfocando o sigilo bancário como proteção ao conjunto de dados pessoais, uma vez que o “sigilo de dados” é expressamente mencionado pela redação legal.

Outros viam como fundamento do sigilo bancário o inciso X, isto é, este advinha da intimidade, que é a sua reserva individual . Desse modo, em razão dos objetivos visados pelo particular, o banco seria receptor de informações de caráter confidencial, a ele prestadas unicamente pelo fato deste comprometer-se a guardá-las.

Pode-se dizer, em conclusão, uma vez que a lei deve ser interpretada de modo que os todos os dispositivos contenham sentido, isto é, nenhuma palavra deve ser desprovida de significância, que o inciso X protege informações, enquanto o inciso XII protege a comunicação destas mesmas informações. Com esta atitude hermenêutica consegue-se harmonizar as disposições legais, conferindo-lhes o máximo de eficácia e coerência. 

Observa-se que com este entendimento do sigilo bancário, onde a doutrina e o próprio Poder Judiciário o elevavam ao patamar de procedimento indispensável para assegurar a segurança jurídica e, consequentemente, a segurança da sociedade, ficava muito limitada a possibilidade de conhecimento das informações bancárias de qualquer contribuinte a não ser pela via judicial.

Embora este posicionamento não declare o segredo bancário como direito absoluto, posto que não devia servir para a prática de atos ilegais, afrontando o interesse da sociedade, a nossa legislação infraconstitucional que regulava o dever de sigilo por parte das instituições financeiras, Lei 4595/64, artigo 38 – caput, sofria interpretação restritiva por parte dos tribunais superiores, relegando os casos de quebra do segredo às excepcionalidades previstas pela lei; era, assim, sempre ligado ao direito à intimidade. 

Lei 4595/64:

“Artigo 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.”

As exceções que ensejavam a quebra e a consequente divulgação das informações segredadas encontram-se nos parágrafos seguintes do artigo supracitado. Destacam-se, de modo geral, por manifestações de órgãos de representação política, que podem solicitar às instituições financeiras ou órgãos da estrutura governamental informações, através das CPI(s) Comissões Parlamentares de Inquérito. Há, ainda, a previsão de crime de quebra de sigilo bancário § 7º e a possibilidade de quebra mediante autorização do Poder Judiciário.

No vigor desta lei, temos a adoção da Teoria da Obrigação Jurídica, que afirma que o sigilo bancário fundamenta-se em legalmente em uma norma e que, portanto deve ser entendido como uma imposição legal às instituições financeiras de não divulgar informações acerca das movimentações financeiras de seus cliente, caracterizando assim verdadeiro dever jurídico.

3. SIGILO BANCÁRIO E A LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001

Não objetivando abster-se à análise do da lei mencionada no título acima, é mister procedermos à algumas reflexões sobre o contexto em que se dá a inserção da Lei Complementar Nº 105, de 10 de janeiro de 2001, em nosso ordenamento jurídico.

Percebemos claramente que, nos últimos anos, o mundo passa por inúmeras transformações, as principais delas decorrentes de um processo conhecido como “globalização”.

O incremento tecnológico dos meios de transportes, de telecomunicações e, em especial, da informática estão produzindo uma mudança de perspectiva, em nível planetário. As distâncias, com os aviões e jatos supersônicos, tornaram-se relativas, assim como a rapidez em que se propagam as informações, quase que instantaneamente. Em conseqüência desse processo estreitam-se, a cada momento, as relações entre as nações, sejam elas políticas, culturais, ou econômicas. O capitalismo financeiro está em processo de adaptação à estas inovações que, vale ressaltar aqui, criaram o dinheiro virtual, isto é imaterial, com grande poder de circulação pelos mercados nacionais. A importância disto observamos mais claramente quando nos debruçamos sobre as relações entre o capital central (países desenvolvidos) e o capital periférico (países em desenvolvimento), onde a mínima demonstração de instabilidade ou insegurança pode provocar uma retirada considerável dos investimentos feitos pelo centro nos países periféricos, o que pode ocasionar inclusive o comprometimento da economia de diversos países ao mesmo tempo. 

Retomando o esclarecimento do contexto de inserção da Lei Complementar Nº 105, destacamos que ela surge em função do Princípio da Transparência, conectado intrinsecamente com o processo de globalização, acima descrito. Ora, já que a demonstração de instabilidade ou insegurança, por parte de uma nação, pode provocar a ela graves conseqüências, é que se dá a necessidade de transparência. Seguramente, podemos afirmar que a LC Nº 105 é fruto da implantação do princípio da transparência, que vem sendo implementado no ordenamento jurídico de diversos países e que, apenas recentemente, vem atingindo o Brasil. Este princípio, além de fundamentar a lei em questão, que trata de sigilo bancário (norma de abertura do sigilo bancário), impõe, ainda o combate à corrupção, à elisão fiscal e gerenciamento responsável das contas públicas. 

Disto, conclui-se que a transparência aponta para que a clareza, simplicidade e abertura imperem no procedimento das atividades bancária, do setor financeiro como um todo, e do próprio Estado, de forma a minimizar os riscos advindos da atual configuração mundial.

É nesse contexto de exigência de inovações legislativas que a LC Nº 105 adentra o ordenamento jurídico do Brasil implementando a relativização do sigilo bancário. Este, sempre fora encarado, em nosso país, como uma garantia quase que absoluta e que, praticamente, inviabilizava o acesso às informações bancárias. 

A LC Nº 105 traz como grande novidade e, ao mesmo tempo, polêmica a possibilidade de a administração pública, através de autoridade fazendária, quebrar diretamente o sigilo bancário de contribuinte, sem a necessidade de autorização judicial.

Poucos são, os doutrinadores que defendem a modificação introduzida por este novo diploma legal, não obstante as profundas transformações por que sofreram e continuam sofrendo as instituições públicas nos últimos. Já, seus defensores, afirmam que a ilegalidade ocorreria somente com a quebra do segredo bancário, de forma imotivada pela administração pública, o que enseja logo nulidade uma vez que todo ato público necessita de fundamentação. Encaram, estes, como importante a relativização do direito, que deixa de ser um tabu, assim como a relativização do poder de quebrá-lo, que deixa de ser exclusividade da Justiça , passando, também, à administração contanto que seja respeitado o Princípio do Devido Processo Legal , ficando excluída a possibilidade de arbitrariedade.

Desse modo, a LC Nº 105 dispõe detalhadamente o meio procedimental que deve ser utilizado pela autoridade fazendária no processo de abertura do sigilo bancário do contribuinte. O importante, no caso, não seria a discussão da possibilidade ou não de quebra do sigilo, mas sim como esta deve ocorrer. Aqui, fica claro que a fundamentação da nova lei é o devido processo legal, também presente na CF/88 como direito fundamental, artigo 5º, inciso LV.

Questiona-se haver, neste caso choque entre princípios constitucionais. É, neste momento que eleva-se a importância do princípio da proporcionalidade, onde no Estado “centrado nos direitos”, os direitos fundamentais são valorados pela própria sociedade, que não pode excluir totalmente outro princípio ou garantia em detrimento de outro. É o princípio da proporcionalidade que deixa claro que alguns valores podem sofrer certas limitações como é o caso do sigilo bancário, onde não faria sentido a impossibilidade de investigação de ato ilícito em função de ser a intimidade direito absolutamente inviolável. 

Prevalece, neste choque principiológico não excludente, o princípio do devido processo legal, que é uma decorrência clara e irrefutável do Estado Democrático de Direito. Este princípio é basilar posto que o objetivo último da democracia é a proteção jurídica, que somente é atingível através do devido processo legal, seja em âmbito penal, civil ou administrativo. Poderíamos, assim, dizer deste princípio como inafastável para a realização de uma sociedade democrática, daí sua prevalência sobre a garantia ao sigilo bancário.

Esta lei revoga, portanto, o artigo 38 da Lei 4595/64, não adentrando no campo da inconstitucionalidade posto que o prévio processo administrativo é garantido (artigo 6º), assim como todas as garantias concernentes ao cidadão, em âmbito de defesa (Dec. 3724/01). Além da fundamentação apresentada pela autoridade fazendária para a instauração do mencionado processo administrativo, há a imposição legal de que todas as informações do particular, acessadas pela administração pública, sejam mantidas em sigilo fiscal.

Além disso, o Dec. 3724/01 prevê a possibilidade, em seu artigo 12, do particular denunciar administrativamente o procedimento inadequado na obtenção das informações a seu respeito ou caso sinta-se lesado, não ficando excluída a busca da reparação destes danos através de processo judicial.

É a tendência moderna, adotada pela maioria dos países democráticos, a determinação do sigilo bancário como direito relativo, onde poderá prevalecer sobre este a atividade administrativa de fiscalização e comprovação, fundando-se na manutenção da ordem pública.

4. CONCLUSÕES

Podemos concluir que, modernamente, não mais é possível admitir o sigilo bancário como direito absoluto, uma vez que se inverteu, diante das novas exigências institucionais e as transformações globais, a segurança jurídica. 

Enquanto, antes, o caráter quase absoluto do sigilo bancário proporcionava a segurança jurídica, hoje, esta somente é conseguida através da relativização do mesmo direito, já que o interesse público prevalece em detrimento do particular e são cada vez maiores as exigências de transparência e abertura nas relações comerciais e financeiras, tanto entre particulares, entre o Estado e os particulares e, também, entre os países.

A LC Nº 105 é constitucional pois assegura o devido processo legal, excluindo a possibilidade de abertura imotivada e arbitrária do sigilo bancário, conferindo mais agilidade à atividade fiscalizatória da administração, enquadrando-se melhor ao dever de coibir abusos e ilegalidades, tão limitado pela antiga via única do Poder Judiciário.


4. BIBLIOGRAFIA

TORRES, Ricardo Lobo. Normas Gerais Antielisivas. In: Revista Virtual do Centro de Estudos Victor Nunes Leal – AGU, Brasília, ano 3, nº 19, fev. 2002.
FALCÃO, Raimundo Bezerra. O Direito na Empresa1. ed. Fortaleza: Inova Gráfica, 1999.
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, Dicionário Jurídico Brasileiro. 9. ed. rev. Atual. E ampl. - São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998.
CAVALCANTE, Denise Lucena. Sigilo Bancário e o Devido Processo Legal. Trabalho monográfico, outubro, 2001.
MAIA, T. Lisieux. Metodologia Básica 2. ed. Fortaleza: Tradição & Cultura, 2001.

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