STJ obriga pai a indenizar filha em R$ 200 mil por abandono.


“Amar é faculdade, cuidar é dever.” Com esta frase, a ministra Nancy Andrighi, relatora de um recurso julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. A decisão, tomada por quatro votos a um, é inédita. Em 2005, a 4ª Turma do STJ, que também analisa o tema, havia rejeitado a possibilidade de ocorrência de dano moral por abandono afetivo.

No caso julgado na semana passada, a autora entrou com ação contra o pai, após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, reformou a sentença, por considerar que o pai era “abastado e próspero”, e reconheceu o abandono afetivo. A compensação pelos danos morais foi fixada em R$ 415 mil.

No STJ
No recurso especial ao STJ, o pai alegou violação de diversos dispositivos do Código Civil e divergência com outras decisões do tribunal. Ele afirmava não ter abandonado a filha. Além disso, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito indenizável. Para ele, a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

Para a ministra-relatora, porém, não há por que excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral. “Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar — sentimentos e emoções — negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores. Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

Ainda segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição indica que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”. 

Liberdade e responsabilidade
A ministra destacou que, nas relações familiares, o dano moral pode envolver questões extremamente subjetivas, como afetividade, mágoa, amor e outros. Isso tornaria bastante difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal. Mas entendeu que, a par desses elementos intangíveis, existem relações que trazem vínculos objetivos, para os quais há previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. É o caso da paternidade.

Assim, “o vínculo — biológico ou autoimposto, por adoção — decorre sempre de ato de vontade do agente, acarretando a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas. À liberdade de exercício das ações humanas corresponde a responsabilidade do agente pelos ônus correspondentes”. 

Filha de segunda classe
No caso julgado pela 3ª Turma, a ministra ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como “filha de segunda classe”, sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos posteriores, mesmo diante da “evidente” presunção de paternidade e até depois de seu reconhecimento judicial.

Ela alcançou inserção profissional, constituiu família e filhos e conseguiu “crescer com razoável prumo”. Porém, “os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram”.

“Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano, e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação”, concluiu a ministra.

A relatora considerou que tais aspectos fáticos foram devidamente estabelecidos pelo TJSP, não sendo cabível ao STJ alterá-los em recurso especial. Para o TJSP, o pai ainda teria consciência de sua omissão e das consequências desse ato.

A turma julgou, no entanto, elevado o valor fixado pelo TJSP — mesmo “diante do grau das agressões ao dever de cuidado presentes no caso” — e reduziu a compensação para R$ 200 mil. Esse valor deve ser atualizado a partir de 26 de novembro de 2008, data do julgamento pelo tribunal paulista. Aompanharam a relatora os ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardi Villas Bôas Cueva. Ficou vencido o ministro Massami Uyeda.  

Veja também!

Postagem em destaque

STJ decide que print de WhatsApp Web é prova ilícita, mas há brechas.

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) decidiu que mensagens obtidas por meio de print screen da tela do  WhatsApp Web  devem se...