Princípio da insignificância.

Você sabe o que é o princípio da insignificância?
“Insignificância é quando o cara não é punido porque furta algo de pequeno valor” – se esta é a sua resposta, leia este texto até o final.
Antes de qualquer coisa, é preciso ter em mente a estrutura do crime. Entenda:
Imagine que o crime é um ser vivo. Se dissecado, a seguinte composição estrutural seria exposta:
    • Fato Típico
    • Ilicitude
    • Culpabilidade
Para quem sustenta a teoria bipartida, a estrutura é composta somente pelo FATO TÍPICO e pela ILICITUDE. No entanto, seguiremos a tripartida, por ser a mais aceita pela doutrina.
Dando continuidade ao assunto, o crime é composto por FATO TÍPICO, ILICITUDE e CULPABILIDADE. Tenha em mente o seguinte: todos os três substratos são vitais.

Caso um seja afastado, não haverá mais crime, exemplo:
        a) A legítima defesa é causa de exclusão da ilicitude. Dessa forma, quando reconhecida, é correto dizer que nenhum crime foi praticado, afinal, o segundo substrato (ilicitude) não está presente.
            b) A prescrição é causa de extinção da punibilidade. Perceba que a PUNIBILIDADE não integra a estrutura do crime. Portanto, quando reconhecida a prescrição, o fato continua sendo crime. No entanto, fica o Estado impedido de punir quem o praticou.
Conseguiu acompanhar até aqui? Se sim, é a hora de fazer o “link” com a insignificância.
O primeiro substrato – o fato típico – é composto por conduta, resultado, nexo causal e tipicidade:

1. Fato Típico

1.1. Conduta
1.2 Resultado
1.3 Nexo Causal
1.4 Tipicidade

2. Ilicitude

3. Culpabilidade

Caso um dos elementos do fato típico não esteja presente, o crime deverá ser afastado. Exemplo:
João é atingido por um raio e morre. Como não houve conduta (1.1) de qualquer pessoa para o evento danoso, não houve crime – não viaje pensando em conduta divina.
No quarto elemento, que é o que importa para este estudo, temos a tipicidade, que se divide em:
       a) tipicidade formal: é a adequação (subsunção) de um caso concreto a um tipo penal. Ex.: A mata B. A conduta é formalmente típica, pois o art. 121 do CP prevê a conduta de “matar alguém”. O adultério, por outro lado, é formalmente atípico – e, portanto, não é crime -, visto que a conduta não está prevista no CP.
     b) tipicidade material: ocorre quando a lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (ex.: no furto, o bem jurídico é o patrimônio) é intolerável, devendo ser punida.


Quem subtrai algo de valor irrisório (ex.: um chocolate), pratica conduta formalmente típica . O CP é claro ao descrever a conduta no art. 155. No entanto, a lesão ao bem jurídico tutelado é ínfima, podendo ser aplicado, em tese, o princípio da insignificância.
Se reconhecida a insignificância, embora a conduta seja formalmente típica, a tipicidade material não estará presente. E, como já disse, se afastado qualquer dos elementos do crime, ele próprio deixa de existir.

Dessa forma, é correto dizer que o princípio da insignificância afasta a tipicidade material e, consequentemente, o próprio crime.
Agora, conhecedor da natureza jurídica do princípio, vamos aprofundar:
     1. O princípio da insignificância não é aplicado somente ao crime de furto. O STJ, em diversos julgados, reconheceu ser possível em outros delitos, a exemplo do descaminho (CP, art. 334). Em outros, no entanto, vedou a incidência. Alguns exemplos: roubo, moeda falsa, crimes funcionais (ex.: peculato, corrupção passiva etc.), contrabando e muitos outros.
     2. A incidência do princípio não está vinculada somente ao valor do bem subtraído, na hipótese do furto. A subtração de uma galinha de um grande criador pode ser hipótese de aplicação do princípio. Contudo, caso essa galinha pertença a uma família pobre, e seja indispensável ao seu sustento, a insignificância não poderá ser reconhecida. Isso porque há uma série de requisitos, além do valor, que devem ser observados para que a conduta seja insignificante: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
     3. Não confunda insignificância com furto famélico. Neste, o agente subtrai algo agindo em estado de necessidade. Por exemplo, subtrair um frango assado para não morrer de fome. Nesta hipótese, o crime deve ser afastado pela ausência de ilicitude, segundo substrato do crime.
   4. Na hipótese de reincidência, o STJ tem afastado a aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, AgRg no AREsp 593970/DF, publicado no dia 11 de junho de 2015.
     5. Pequeno valor e valor ínfimo: “Não é possível a aplicação do princípio da insignificância ao furto de objeto de pequeno valor. Não se deve confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante, o qual, necessariamente, exclui o crime ante a ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio. O bem de pequeno valor pode caracterizar o furto privilegiado previsto no § 2º do art. 155 do CP, apenado de forma mais branda, compatível com a lesividade da conduta. Além disso, o STF já decidiu que, mesmo nas hipóteses de restituição do bem furtado à vítima, não se justifica irrestritamente a aplicação do princípio da insignificância, mormente se o valor do bem objeto do crime tem expressividade econômica. Precedentes citados do STF: HC 97.772-RS, DJe 20/11/2009; HC 93.021-PE, DJe 22/5/2009; HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004, e do STJ: HC 106.605-SP, DJe 20/10/2008.” (STJ, REsp 1.239.797-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2012).

Obs.: o objetivo deste texto é fornecer uma ideia geral sobre o assunto. Após a sua leitura, aprofunde os seus estudos em um bom livro. Recomendo alguns: o esquematizado, do Cleber Masson, ou o manual de penal, do Rogério Greco. Além disso, procure acompanhar o que o STJ tem dito sobre o tema. Clique aqui e digite “insignificância”, entre aspas. Não se esqueça de marcar a opção INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA. Geralmente, em concurso, o assunto tem sido cobrado com base em posicionamentos do Tribunal.

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