Médico que plantava maconha em casa consegue liberdade provisória.


Autuado em flagrante por tráfico porque cultivava maconha no apartamento que dividia com dois colegas, um médico recém-formado, de 25 anos, foi solto pela juíza Mariella Amorim Nunes Rivau Alvares, da 6ª Vara Criminal de Santos, na última segunda-feira (12/11). Segundo ela, o jovem faz jus à liberdade provisória, porque não há indícios de que possua “vínculo com a criminalidade violenta”, além de ter residência fixa e não registrar antecedentes criminais. 
A decisão veio ao encontro de parecer do promotor de Justiça Rogério Pereira da Luz Ferreira: “O Ministério Público não vislumbra os pressupostos da prisão preventiva. Em razão disso, requer-se a concessão da liberdade provisória”. O representante do MP também destacou a ausência de antecedentes do acusado, acrescentando não haver motivo para suspeitar que ele irá fugir para evitar a aplicação da lei penal e que, em liberdade, praticará qualquer infração penal. 
Ao conceder a liberdade provisória ao médico, a juíza lhe impôs as seguintes medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal: comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades, além de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga. 
O médico foi preso na sexta-feira da semana passada (9/11). Munidos de mandado de busca e apreensão, policiais revistaram o seu apartamento, na Avenida Siqueira Campos, no Embaré. Foram apreendidos vários copos, vasos e outros recipientes com mudas de maconha, bem como um aparato constituído por uma grade e duas lâmpadas de alta potência que servia como estufa para o desenvolvimento das plantas e a secagem das folhas da erva. 
O jovem alegou realizar o cultivo para consumo próprio. Segundo a Polícia Civil, ele disse ter adquirido as sementes de maconha por meio de um site estrangeiro, sendo elas remetidas da Europa para o Brasil por via postal.
Veja o que diz a Lei para o caso:

As Mudanças Legais no cultivo de maconha para uso próprio.

1 - O Cultivo

O cultivo de substância entorpecente para uso próprio, em especial da maconha (por ser a hipótese mais corriqueira), sempre foi objeto de discussões intermináveis em sede doutrinária e jurisprudencial. Entretanto, a partir da edição da Lei n° 11.343/06, a nova Lei de Tóxicos, esse panorama tem tudo para mudar. Nesse artigo, nos propomos a analisar o motivo da celeuma anteriormente existente, bem como os motivos que nos levam a acreditar que o problema acaba de encontrar uma solução.

A Lei n° 6.368/76, antiga lei de tóxicos, recentemente revogada, definia nos artigos 12 e 16 os crimes de tráfico e porte de substância entorpecente, respectivamente. São eles:

“Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; 

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: 
(...) 
II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica”. 

“Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa”. 

Como se vê, o artigo 16 não previa em seu bojo a conduta de cultivar substância entorpecente para uso próprio. A única previsão para a conduta de cultivar se encontrava no artigo 12, que pune o tráfico de entorpecentes. Diante da controvérsia, formaram-se três correntes:


2 – Porte
Para a corrente majoritária, a conduta do cidadão que porta substância entorpecente para uso próprio se amoldaria ao tipo penal do artigo 16. Para tanto, esses doutrinadores se utilizavam dos princípios penais da culpabilidade e da proporcionalidade, propondo uma aplicação analógica in bonam partem do referido artigo.

Em outras palavras, alguns doutrinadores vinham considerando como injusto reputar como tráfico a conduta daquele que cultivava substância entorpecente para uso próprio. Para solucionar a questão, passaram a propor a utilização de uma analogia a favor do réu, estendendo as condutas previstas no artigo 16 também à questão do plantio. Isso porque havia uma semelhança entre a conduta prevista na lei e a conduta que se buscava abarcar, qual seja a destinação da substância entorpecente para uso próprio.

Outro argumento defendido pelos doutrinadores adeptos dessa corrente é o de que o cultivo, em si, implica no porte da substância entorpecente. Daí a possibilidade da conduta se amoldar ao previsto no artigo 16.

Vejamos alguns exemplos dessa corrente em decisões de nossos Tribunais:

“CRIMINAL - CULTIVO DE MACONHA - PEQUENA QUANTIDADE - DESCLASSIFICAÇÃO - ADMISSIBILIDADE. Restando dúvida se o réu cultivava pequena quantidade de maconha com finalidade mercantil ou para uso próprio, impõe-se a desclassificação do delito para condenar o acusado como incurso na sanção do artigo 16 da Lei 6.368/76, com o uso da analogia ""in bonam partem"", como forma de evitar o excesso de punição”. (TJMG. Relator: Antônio Carlos Cruvinel. Data do acórdão: 23/08/2005)

“TÓXICO - Uso próprio - Cultivo de plantas de maconha destinadas à manutenção do próprio vício - Ato que pressupõe a posse da substância entorpecente - Adequação ao artigo 16 da Lei n. 6.368/76 - Inexistente a prova do destino ao comércio ou a terceiros - Condenação - Recurso provido. Com o simples cultivo da maconha, o cultivador tem a posse da substância entorpecente, no caso, destinada ao próprio uso diante da absoluta insuficiência de prova do tráfico”. (TJSP. Apelação Criminal n. 255.681-3 - Casa Branca - 1ª Câmara Criminal Extraordinária - Relator: Pereira da Silva - 26.04.00 - V.U.)

3 – Tráfico
Pode-se dizer que essa seria a segunda corrente mais aceita pelos Tribunais no que tange ao problema do cultivo de substância entorpecente para uso próprio. Os adeptos dessa corrente defendem que a lei não distingue, no artigo 12, se o agente semeia, planta ou colhe a droga para seu uso ou para terceiros. A lei não exige para a configuração do tipo penal a presença de um elemento subjetivo especial. Logo, não importaria qual fosse o especial fim de agir a mover o agente: o cultivo de substância entorpecente sempre constituiria o crime de tráfico.

Ainda, os defensores dessa corrente alegavam que o objetivo da legislação anti-drogas era proteger a saúde pública. Logo, desimportaria a finalidade do plantio da droga, se para o comércio ou uso próprio. O crime configurado seria sempre o do artigo 12.

Para exemplificar, citamos alguns precedentes jurisprudenciais em que tal corrente foi adotada:

“APELAÇÃO-CRIME. TÓXICO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CULTIVO DE PÉS DE MACONHA. LEI Nº 6368/76. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. Apreensão, por Policiais Civis, de três pés de maconha, em meio a uma plantação de tomates, dentro da propriedade do réu. Destinação do plantio. Desimporta a finalidade do plantio da droga, se parra o comércio ou uso próprio. Legislação que visa proteger a saúde pública. Prova segura a autorizar a condenação do acusado, em segunda instância. Deram provimento ao apelo do Ministério Público, para condenar o apelado nas sanções do art. 12, parágrafo primeiro, II, da Lei nº 6.368/76, à pena de três anos e seis meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto e sessenta dias-multa, no valor unitário mínimo. Unânime”. (TJRS. Apelação Crime Nº 70009161373, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 06/04/2005)

“Comprovadas autoria e materialidade do delito de cultivo de planta de ""maconha"", inviáveis tanto o pedido de absolvição quanto a pretensão desclassificatória para o crime previsto no art. 16 da Lei de Tóxicos, que não contempla a conduta de ""cultivar"", razão pela qual a comprovação da finalidade mercantil torna-se prescindível para a incursão do réu nas sanções mais severas do caput do art. 12 do citado diploma legal. O tráfico de entorpecentes é delito assemelhado a hediondo, em relação ao qual deve o condenado cumprir sua reprimenda em regime integralmente fechado, não sendo possível ser beneficiado pela substituição da privação de liberdade por pena restritiva de direitos, medida esta incompatível com o rigor legal dado a tais condutas. O patamar legal mínimo disposto para quem incide no art. 12, §1º, II, da Lei nº 6.368/76, inviabiliza a concessão de ""sursis"", por não-satisfação de seu requisito de ordem objetiva”. (TJMG. Rel. Márcia Milanez. Data do acordão: 07/12/2004)

4 – Conduta Atípica
Essa era a corrente minoritária, à qual nos filiávamos. Os seguidores dessa corrente argumentavam, a nosso ver com razão, que a conduta não poderia ser tipificada como tráfico. Isso porque o §1°, II do art. 12 não poderia ser interpretado sem levar em consideração as previsões contidas no caput. Ou seja, se o crime em questão é de tráfico de entorpecentes, em que deve restar comprovada a finalidade comercial do produto para a sua configuração, também o cultivo de substância entorpecente deve ter essa mesma finalidade. Caso contrário, não há crime.

Caput, em latim, significa cabeça. Logo, o caput ordena, norteia, orienta toda a interpretação dada ao artigo. Pensar que a conduta prevista no §1°, II dispensa a finalidade mercantil para a sua configuração é o mesmo que pensar em um corpo sem cabeça. Daí entendermos que não se podia falar no crime do art. 12 quando o agente plantava a substância entorpecente para uso próprio.

Também não coadunamos, data venia, com o entendimento da corrente majoritária. Afinal, se o artigo 12, como vimos, não criminaliza a conduta do plantio para uso próprio, tem-se que a analogia aplicada pelos Tribunais seria, na verdade, in malam partem! Se o artigo 12 não se aplica ao caso, a analogia aplicada na aplicação do art. 16 estaria a prejudicar o réu, pois estaria tipificando uma conduta não prevista pelo legislador.

Como afirmamos no início, tratava-se de uma corrente minoritária nos Tribunais, mas com uma boa parcela de adoção da doutrina, senão vejamos:

“TÓXICOS – Tráfico – Cultivo e colheita de 3 (três) pés de maconha para uso próprio – Atipicidade da conduta – Admissibilidade – Absolvição – Necessidade – Hipótese em que o recorrente se disse usuário de cânhamo, desde a gênese do presente procedimento – Falta de expresso indicativo da destinação na inicial peça de imputação – Constatação – Razoável supor-se no universo probante, sob pena de se proceder a verdadeiro exercício de adivinhação, o alegado cultivo para consumo próprio – Inadmissível abstrair a dúvida que há de militar sempre em favor do réu – Ante a ausência de guarida nas diretrizes legais, crido se faz a absolvição – Recurso provido”. (Apelação Criminal n. 837.323-3/3 – Araraquara – 12ª Câmara do 6º Grupo da Seção Criminal – Relator: Sydnei de Oliveira Jr. – 05.04.06 – V.U. – Voto n. 2.195)

“Para nós, a conduta de semear, cultivar ou fazer a colheita, para uso próprio, de substância destinada à preparação de entorpecente, como a maconha, não está tipicamente definida como crime no art. 12 da Lei Especial. É atípica (7). E não há crime sem lei que o defina (CF, art. 5.º, XXXIX; CP, art. 1º). Além disso, não se pode enquadrá-la no art. 16 por analogia in bonam partem. A analogia empregada não é in bonam mas sim in malam partem. Sendo atípico o fato, enquadrá-lo no art. 16 por semelhança é prejudicial. E a analogia não pode ser empregada para prejudicar o autor de crime. Ademais, havendo dúvida, deve ser adotada a interpretação mais favorável ao agente”. (Damásio de Jesus. Cultivo de Maconha Para Uso Próprio)

5 – Conclusão: A Nova Lei de Tóxicos
A Lei n° 11.343/06 resolveu a questão de uma vez por todas. O artigo 28, §1° do referido diploma legal definiu como crime a conduta daquele que cultiva substância entorpecente, em pequena quantidade, para uso próprio. A pena prevista para o delito é a mesma cominada para o porte de substância entorpecente para uso próprio. Ou seja, o legislador, por motivos de política criminal, optou pelo entendimento defendido pela corrente majoritária, equiparando a figura daquele que cultiva para uso próprio à do usuário.

Segue a redação do artigo que resolveu a celeuma, in verbis:

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”.

Andou bem o legislador brasileiro nesse ponto. Afinal, dois dos maiores problemas que podem existir dentro da área jurídica foram solucionados ao mesmo tempo: a insegurança jurídica e a injustiça.

Fonte: internet

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