É
de Giuseppe Chiovenda a afirmação de que a jurisdição tem a função de
atuar a vontade concreta da lei. Assim, segundo essa teoria, podemos
concluir que o juiz deve aplicar a lei ao caso concreto,
independentemente de essa lei ser justa ou não.
Já a teoria de
Francesco Carnelutti se sustenta na justa composição da lide, em que o
juiz cria a norma individual para solucionar a lide apresentada no caso
concreto.
Atualmente, as teorias centenárias defendidas pelos
grandes processualistas mencionados já não encontram respaldo teórico
nem prático.
A proteção constitucional do Estado aos direitos
fundamentais abarcou uma nova concepção ao princípio da legalidade.
Hoje, exige-se que o princípio da legalidade seja substancial, o que
significa que a lei criada pelo legislativo e aplicada pelo judiciário
deve se conformar com a Constituição e com os direitos fundamentais.
O
sistema processual brasileiro é respeitado mundialmente pela qualidade
de sua estrutura legislativa e pelo reconhecimento dos doutrinadores de
grande esmero que estão um passo à frente de nossa geração com efetiva
colaboração na produção de conhecimento na área do Direito Processual
Civil.
As regras constantes na legislação processual, na teoria, beiram à perfeição. Qualquer lei criada em desconformidade com a Constituição
está sujeita ao controle direto de inconstitucionalidade. Também é
possível fazer o controle de constitucionalidade da lei de forma
incidental, em que o magistrado de primeiro grau pode divergir sobre a
constitucionalidade de uma lei.
Exige-se que o magistrado
fundamente sua decisão ao proferi-la, sob pena de nulidade. A
necessidade de fundamentação é imposta pela Constituição Federal em seu artigo 93, IX, que traz:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988).
A Lei no 5.869 (BRASIL, 1973) – o Código de Processo Civil
– estabelece que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos
fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados
pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formaram o convencimento”.
No mundo ideológico do Direito,
qualquer decisão proferida deveria ser fundamentada e justificada. Desse
fato, podemos deduzir que, ao proferir uma decisão, o magistrado deve,
no mínimo, consultar os autos para formar o seu convencimento,
analisando os argumentos da parte autora e também a defesa da parte ré.
O
que possuímos, na realidade, é um “pseudo” Poder Judiciário, um
pseudomagistrado e um pseudoprocesso. Com o sistema de súmula
vinculante, repercussão geral e dos julgamentos em massa, não é mais
analisado um processo, mas sim um número, que é automaticamente
direcionado por meio do Processo Judicial Eletrônico previamente
programado para aplicar as sentenças já prontas armazenadas no banco de
dados dos sistemas eletrônicos do Poder Judiciário.
Vamos
exemplificar concretamente o absurdo cometido por esse modelo, que é
considerado como o mais adequado para a solução dos conflitos que são
apresentados ao Estado-Juiz.
Ingressamos com ação pleiteando a
desaposentação, que, em síntese, consiste no desfazimento do ato
administrativo de aposentação, havendo várias nuanças desse pedido, tais
como: obrigação ou não de restituir os valores percebidos de
aposentadoria e a concessão de novo benefício com o aproveitamento de
contribuições realizadas após a primeira aposentação.
Todos os
profissionais que atuam na área do Direito Previdenciário conhecem os
posicionamentos sedimentados nas instâncias superiores, bem como já
preveem qual será o resultado da ação, que, em 99% dos casos, é
improcedente ou suspensa.
Particularmente, já perdemos a conta de
quantas ações ingressamos pleiteando a desaposentação. Todas as
decisões proferidas em todas as instâncias, tanto na Justiça
Especializada quanto na Justiça Comum, são iguais e pré-produzidas.
Assim,
no estado de São Paulo, dispomos de um eficiente procedimento judicial.
O tempo para o julgamento da ação de desaposentação é recorde. Já
ocorreu de distribuirmos uma ação em uma determinada data e, após 10
dias, a sentença ter sido proferida.
No Juizado Especial Federal
de São Paulo, na maioria dos casos, as ações de desaposentação são
julgadas pela mesma juíza, que já possui o seu posicionamento teórico
acerca da desaposentação.
Entendemos ser muito justo o magistrado
já ter sua posição, ainda que essa posição seja contrária aos nossos
interesses ou aos interesses dos nossos clientes.
Em síntese,
todas as sentenças pelo Juizado Especial Federal de São Paulo são
julgadas improcedentes sob a fundamentação de que é reconhecido o
direito à desaposentação desde que os valores percebidos no período em
que o segurado recebeu o benefício sejam restituídos aos cofres
públicos. Vejamos um breve trecho de sentença que é utilizado pelo
mencionado juizado:
Cabe ressaltar, contudo, que entendo que seria até possível ao autor requerer sua desaposentação… Assim, o INSS não pode se contrapor à renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado, visto que carece de interesse. No entanto, se o segurado pretende renunciar à aposentadoria para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos [sic].
Com base no
sedimentado entendimento adotado pelo Juizado Especial Federal de São
Paulo, ingressamos com ação de desaposentação, conforme outrora
mencionado, fundamentando na causa de pedir e no pedido justamente o que
o Juizado Especial Federal ratificou como critério para julgar
procedente a desaposentação, a saber, a devolução dos valores percebidos
durante o recebimento do benefício a ser desfeito.
Ao contrário
do que é normalmente fundamentado nas ações de desaposentação, não foi
sustentado, nessa ação, o direito de desfazer o ato administrativo de
aposentação sem a obrigatoriedade de devolução dos valores; ao
contrário, foi requerida, em sede de tutela antecipada, a autorização
para a restituição de todos os valores recebidos, inclusive com a
inclusão de correção monetária e juros. Ademais, não foi requerida a
concessão de novo benefício, pois o objetivo da parte autora era apenas o
de ter o benefício de aposentadoria desfeito, voltando à situação status quo ante bellum.
Levando
em consideração o posicionamento do órgão julgador, entendemos que a
procedência da ação seria consequência lógica do pedido sustentado na
demanda, pois o entendimento estabelecido para a concessão da
desaposentação era a devolução dos valores, e o que estava sendo
pleiteado na referida ação era justamente a devolução dos valores.
Recebemos
a sentença em tempo recorde e, para nossa surpresa e frustração, a ação
foi julgada improcedente. A parte mais lamentável dessa decisão não foi
o seu resultado, mas sim o desrespeito com o cidadão, com a advocacia e
com a justiça.
Para evitar que este texto fique muito extenso, esclarecemos o desfecho desse processo no vídeo que segue:
Autor: Waldemar Ramos Junior