Em trabalho doutrinário, Dilermano Cigagna Júnior ao empreender
estudos sobre o procedimento indigno do eventual beneficiário da verba
de alimentos, acentuou, com pertinência ímpar:
“Atos de
indignidade praticados durante o casamento: ficaria na opção do eventual
provedor alegá-los como causa da separação, no bojo dessa ação, ou como
atos de indignidade, dentro do pleito alimentar; se optasse por fazê-lo
na separação, assumiria o ônus de ver retardada uma eventual decisão
exoneratória, perdendo os benefícios da lei especial, reconhecidamente
mais célere”. (Web: http://www.cigagna.adv.br/artigo_6.htm).
Como se observa, tem-se a presente hipótese em uma latitude diversa da cogitada pelo artigo 1.708 do Código Civil,
no que refere acerca da cessação do dever alimentar por conduta indigna
do alimentando. No caso, cuida-se de fato impediente à obrigação
alimentar, ou seja, antes de a mesma haver sido assumida, judicialmente;
por circunstância não autorizativa do benefício que se pretenda
alcançado em favor do interessado beneficiário dos alimentos.
Caso
é, portanto, cogitar, em situações que tais, sobre a possibilidade de
provocação jurisdicional no objetivo inibitório de prestação alimentar
em favor de quem se revele, de logo, indigno a recebê-las, por atos
contrários à dignidade do presuntivo devedor de alimentos.
Em
outras palavras, certa por previsão legal a indignidade como causa de
exoneração da obrigação, independente da discussão da culpa na separação
judicial (art. 1.708, CC),
pelo mesmo princípio determinante de causalidade, estaria isento de
pagar alimentos aquele que tenha contra si a conduta indigna praticada
pelo potencialmente credor de alimentos.
Nesse conduto, temos a
considerar duas realidades instantes:
(i) a apreciação da indignidade de quem pede alimentos, suscitada pelo demandado, na forma do art. 333, II, CPC/1973 (art. 373, II, CPC/2015), em sede dos autos da ação de alimentos específica
(ii)
o reconhecimento da indignidade do possível credor, em ação inibitória
própria, para a declaração judicial de isenção da responsabilidade
alimentar daquele que, sob a previsão do art. 1.694 do Código Civil,
estaria sujeito a responder pela obrigação dos alimentos. De efeito,
tal indignidade serviria de fato constitutivo do direito de isenção
obrigacional alimentar do autor da ação inibitória (art. 333, I, CPC/1973; art. 373, II, CPC/2015).
Todavia,
também se apresenta compatível com a ordem jurídica vigente, o
comportamento indigno como causa da não obrigação alimentar, aí inserido
o desrespeito aos deveres conjugais/convivenciais. Nesse ser assim,
evidenciada a indignidade, nada obsta que, em prefácio, essa possa ser
reconhecida, de imediato, como causa eficiente de isenção.
A
jurisprudência vem construindo, gradualmente, o tema da
desresponsabilização dos alimentos, valendo lembrar, a propósito, que
“se reconhecida, na instância ordinária, culpa recíproca dos cônjuges, o
marido não está obrigado a prestar alimentos” (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº
306060-MG, j. Em 29.10.2001).
Ora bem. Em linha de princípio, a
tutela inibitória, que procura impedir a violação do próprio direito
material, se apresenta viável, por consistir exatamente na circunstância
de os alimentos, por ventura deferidos, mesmo que provisoriamente,
serem sempre irrepetíveis. De tal modo que o ato antijurídico contra o
pretenso devedor, plenamente evidenciado, por si só já permitirá a
viabilidade de ser reconhecida, de pronto, a não incidência da obrigação
alimentar ante o pressuposto da indignidade da conduta.
Afinal,
conduta desonrosa é o comportamento censurável que ultraja a
personalidade do outro cônjuge ou companheiro e que “infringindo os
deveres implícitos do matrimônio, provoca no outro cônjuge um estado ou
situação de constrangimento, humilhação, desprestígio moral ou
social...”, conforme assinala Yussef Said Cahali.
Nessa
magnitude, impende e prepondera, portanto, atrelar a indignidade à não
obrigatoriedade da prestação dos alimentos, como expressão de uma
exoneração prévia, em perspectiva do simples fato objetivo.
Fonte:JONES
FIGUEIRÊDO ALVES – O autor é desembargador decano do Tribunal de
Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de
Família.