Na elaboração de qualquer trabalho científico de se buscar uma
análise acerca da atualidade do tema que se prestará de objeto de
estudo, eis que isso conferirá relevância a tal objeto o que parece
adequado, no tema em testilha, na medida em que se está a observar as
considerações acerca de uma década de vigência do Estatuto do Idoso, a conhecida Lei nº 10.741/03.
De
todo modo parece igualmente conveniente que todo trabalho científico
parta de uma análise histórica do seu objeto para uma melhor compreensão
do tema, permitindo verificar sua evolução no contexto social e
permitir melhor análise desta atualidade.
Nesse sentido, a opinião de Vincenzo La Médica:
Para a exata compreensão de um instituto jurídico, é necessário procurar-lhe as fontes e considerá-lo através de sua evolução histórica; mais que não seja “para tirar – como ensinava Carrara – da comparação das antigas leis com as novas, argumentos demonstrativos da progressividade das nossas doutrinas, utilizando-os para ulteriores desenvolvimentos ou para corrigir as novas disposições, se em qualquer ponto forem menos sabiamente elaboradas”
E
o reconhecimento de uma tutela jurídica aos mais idosos no Brasil, ao
menos de forma mais sistêmica, ou não genérica, parece se delinear a
partir do advento da Carta Política vigente.
Quanto
a isso, parte-se da constatação de que o Brasil se organiza como uma
República Federativa e que a mesma seja, por imposição da Constituição Federal
um Estado Democrático de Direito. E não é desnecessário apontar que as
normas jurídicas devem se pautar por um crivo de efetividade, ou seja,
devem, no mínimo, atender às finalidades para as quais foram criadas.
A
sociedade brasileira não mais tolera situações de vazio normativo, como
o revelam as recentes manifestações populares que, dentre outras
pautas, se postaram contra os direitos não cumpridos pelos órgãos
públicos – fato notório amplamente divulgado pelas mídias.
E um dos fundamentos deste Estado Democrático de Direito previsto pela Constituição Federal implica, justamente, no cumprimento de um princípio de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso IV, CF), com despatrimonialização do direito, buscando-se uma personificação das relações jurídicas. A partir daí os direitos relativizam-se, devendo sempre ser constatados a partir dessa premissa.
São ainda objetivos deste Estado Democrático de Direito, a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, CF) e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ou
seja, todo ser humano deve ser respeitado, no que tem de humano, não no
que possuir de bens, não se admitindo nada que retire a dignidade de
uma pessoa enquanto tal, sendo o Brasil um país que tem o dever de ser
solidário e justo, respeitando as pessoas sem preconceito em relação à
sua idade.
O fato da Constituição
ter feito expressa menção à vedação desses preconceitos, do ponto de
vista lógico e pelo princípio pelo qual as normas não devem conter
preceitos inúteis, revela que, em verdade, no ano da promulgação da Constituição
(1.988) havia efetivo preconceito etário que justificasse tal previsão.
Se não houvesse preconceito etário o constituinte não teria se
preocupado com isso, como de fato fez.
Nesse sentido, atual a
opinião de Canotilho no sentido de que se deva aplicar o princípio da
máxima efetividade, assim sintetizado:
Princípio da máxima
efetividade ou da eficiência – “a uma norma constitucional deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo
em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua
origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas
(Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais
(no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior
eficácia aos direitos fundamentais”
Nessa
época o país saía de uma rígida ditadura militar (regime totalitário),
sendo conveniente que esses preceitos fossem ressalvados na democracia
que se inaugurava, porque em outros períodos históricos determinados, em
regimes totalitários como o nazismo e o stalinismo, pessoas idosas
foram reputadas descartáveis.
Mais além, pela primeira vez numa Constituição brasileira, ocorreu efetiva preocupação com a proteção jurídica de pessoas idosas, na medida em que o artigo 230 da Constituição Federal exigiu que família, sociedade e Estado tinham o dever de amparar essas pessoas.
E não é só, essas instituições (família, sociedade e Estado) teriam que
assegurar a participação dos idosos na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem estar, garantindo-lhe o direito à vida.
Nesse
compasso o Brasil se equiparava a outros Estados como Espanha, Itália,
México, Peru e Portugal, que igualmente fizeram inserir em suas
Constituições, dispositivos protetivos das pessoas idosas.
A Constituição Italiana, em seu artigo 38 tem previsão expressa para que trabalhadores tenham meios de amparo em sua velhice (isso é implícito na nossa pela previsão da aposentadoria por tempo de serviço), enquanto que a Constituição
de Portugal foi muito mais enfática estabelecendo proteção mais
completa que a nossa, como se observa pelo disposto em seu artigo 72,
primeira alínea: “As pessoas idosas tem direito à segurança econômica e
condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e
superem o isolamento e a marginalização social”.
Deveria
o constituinte brasileiro ter feito referência a essa segurança
econômica feita pelo constitucionalista português, eis que isso melhor
asseguraria a dignidade humana que, em última análise, precisa da
propriedade de bens e capital para sobreviver no mundo contemporâneo
(nosso constituinte foi bem mais tímido apenas prevendo a gratuidade do
transporte coletivo urbano – artigo 230, par.2º CF
– quiçá o receio fosse uma abertura para o fim de técnicas de
esvaziamento do valor dos benefícios previdenciários de pessoas idosas e
seus impactos nas contas públicas de então – o Brasil vivia sob o
influxo de uma cultura inflacionária naquele momento político).
Aliás, demorou cerca de quinze anos da promulgação da Constituição Federal
brasileira para que o legislador voltasse a se preocupar com os
direitos da pessoa idosa, quando então se deu a promulgação da Lei nº 10.471, no ano de 2.003, o conhecido “Estatuto do Idoso”.
Tal
diploma legal, de modo expresso, se preocupou com a questão da proteção
e tutela do direito à saúde da pessoa idosa nos termos da referida lei –
o qual surge como modo de se buscar suprimir a baixa incidência da
constitucionalidade protetiva da pessoa idosa, nos termos preconizados
pelo advento da norma contida no artigo 230 do texto constitucional vigente.
Tal
diploma normativo, em sua norma contida no artigo 2º já enfatiza que o
idoso (assim entendido nos termos da própria lei, como pessoa com idade
igual ou superior a 60 – sessenta – anos, conforme estatuído no texto de
seu artigo 1º) tem direito a todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana (dispositivo que chega a ser pleonástico, eis que reforça
o óbvio, ou seja, que o idoso é pessoa humana com direito à dignidade
inerente a tal condição, não podendo ser discriminado, o que seria
decorrência do próprio princípio constitucional da igualdade, previsto
no artigo 5º, caput e no seu inciso II, da Constituição Federal).
Mas
este aparente pleonasmo não deixa de ser relevante eis que, com isso,
se tem por reafirmado que não mais se poderia dar azo à práticas
macabras, vivenciadas em hospitais públicos, que, por insuficiência de
recursos, passaram a optar entre salvar a vida de pacientes mais viáveis
do que outros, em escândalo divulgado pela Revista Veja (e não é
preciso uma imaginação muito fértil para perceber que, seguramente,
pessoas idosas acabariam sendo vistas como menos aptas à sobrevivência,
numa verdadeira situação de “solução final” tupiniquim, o que é
estarrecedor e inconcebível).
Mas, não obstante, pretendeu o
legislador não deixar margens para interpretações dúbias, inserindo no
corpo do referido artigo em comento (o artigo 2º do Estatuto do Idoso) que tais idosos tem direito expresso a todas as oportunidades e facilidades para a preservação da sua saúde física e mental.
Referida
orientação é reiterada, de forma extensiva, em outros trechos do
referido Estatuto, como se observa em referência contida no inciso VI do
parágrafo único do artigo 3º, com a necessidade de prestação de
serviços de geriatria e gerontologia
(preocupação retomada no artigo 15), ou do inciso VIII do mesmo
parágrafo, que prevê, de forma igualmente expressa (e que não pode ser
entendida como meramente programática, até pela própria peculiar
situação dos idosos, que, por leis naturais, presumivelmente não se
podem dar ao luxo de aguardar indefinidamente a boa vontade dos serviços
públicos em sentido amplo, o que, obviamente, abrange os serviços
judiciários) a garantia de acesso à rede de serviços de saúde e, até mesmo, de assistência social.
Ou
seja, no que se refere ao resguardo da saúde e da vida de pessoa idosa,
atento a essas peculiaridades - quanto mais longeva for a pessoa,
provavelmente menor será o tempo de vida restante, por uma simples
lógica estatística, e, até mesmo por uma praesuntio júris hominis,
ou seja, uma presunção natural incita ao ser humano, a demora na
prestação do provimento jurisdicional se fará sentir de forma mais
deletéria, sendo relevante a busca pela efetividade do Poder Judiciário
que deverá, sob tal perspectiva optar em um juízo de proporcionalidade
entre dois direitos de mesma magnitude, pelo afastamento do privilégio
estatal, entendimento este, em sintonia com a jurisprudência dos
Tribunais pátrios.
Acresça-se a tudo isso, o disposto nos artigos 8º e 9º do mesmo Estatuto do Idoso,
em que, novamente, se reitera a necessidade de respeito aos direitos da
pessoa idosa à vida e à saúde (com referência a envelhecimento
saudável), questões que devem ser sopesadas sob a égide da proteção de
um direito material à saúde.
Mesmo antes do advento da legislação
em comento, precedentes da jurisprudência pátria já vinham assegurando
muitos direitos contratuais a pessoas idosas em sede de contratos de
saúde, o que torna inequívoco que, doravante, agora com legislação
específica, tal tendência deverá continuar no mesmo sentido.
Com
tal entendimento, à guisa de mera exemplificação, convém destacar,
dentre inúmeros outros que poderiam ser destacados, o seguinte
entendimento, que se pede vênia para consignar:
CIVIL – SEGURO – SAÚDE – CLÁUSULA DE EXCLUSÃO – INESPECIFICIDADE – INIQUIDADE E ABUSIVIDADE – CÓDIGO CIVIL E DO CONSUMIDOR – APLICAÇÃO AOS CONTRATOS EM ANDAMENTO – A exclusão das conseqüências das doenças crônicas da cobertura do contrato, praticamente deixa a segurada, pessoa idosa, fora de qualquer cobertura, pela sua abrangência inespecífica. Por igual, a ausência de explicação conceitual, ao nível do 'homo medius', do verdadeiro significado de doença crônica, também conduz a iniquidade da cláusula e a torna abusiva. Não se compreende que num contrato como o que assinam os segurados da Golden Gross, não são esclarecidos estes pontos importantes que dizem respeito a abrangência das exclusões de cobertura. A inespecificidade e a falta de conceito tornam a cláusula passível de anulabilidade, a teor do art. 115 do CC – Tal dispositivo encontra redação mais clara e moderna no art. 51, inc. Iv, do código de defesa do consumidor, mas ambos buscam praticamente o mesmo escopo, que e proteger uma das partes da relação contratual contra o arbítrio da outra. Aplicação do código de defesa do consumidor ao caso concreto. Apelo improvido. (TJRS – AC 598208759 – RS – 15ª C. Cív. – Rel. Des. Carlos Alberto Bencke – J. 22.10.1998).[10]
E, ainda no mesmo sentido:
AÇÃO DE COBRANÇA POR SERVIÇOS MÉDICOS HOSPITALARES. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO PACIENTE AO PLANO DE SAÚDE. SEGURADOS EM IDADE AVANÇADA. CLÁUSULA LIMITATIVA DE INTERNAÇÃO. SENTENÇA JULGANDO PROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL E A DENUNCIAÇÃO. INCONFORMISMO DA LITISDENUNCIADA. ENTENDIMENTO DESTA RELATORA QUANTO AO NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO RETIDO. PARTE QUE APESAR DE MENCIONAR A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO NÃO REQUEREU EXPRESSAMENTE A SUA APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL. ART. 523, § 1º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ACERTO DA SENTENÇA A QUO. O Juiz deve aplicar a lei tendo em vista os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum, não podendo ignorar tais postulados no julgamento de contrato de prestação de seguro ou de serviços médicos, celebrado entre um particular e uma organização, como a ora recorrente. A litisdenunciada alega que o contrato de seguro-saúde em questão é anterior à Lei 9.656/98, razão pela qual não se beneficiária das garantias nela previstas. Tese já conhecida deste Tribunal de Justiça que a rechaça em razão do contrato em questão ser de trato sucessivo e se submeter às disposições do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê normas protetivas e de ordem pública. O fornecedor de serviços médicos e hospitalares não pode no momento de entregar sua contraprestação, invocar excludente contratual produzida unilateralmente e manifestamente em desacordo com o objeto do contrato, restringindo a sua obrigação de forma a comprometer sobremaneira o equilíbrio contratual. Súmula 302 do e. STJ. Tendo o Hospital Autor efetivamente prestado os serviços pelos quais pretende o ressarcimento, sem que tenha obtido a contraprestação pecuniária correspondente, cujo montante foi apurado pela perícia como adequado, correta a sentença de procedência tanto da lide principal quanto da secundária. Recurso conhecido e desprovido. (Apelação Cível nº 2007.001.19707, 20ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Conceição Mousnier. Publ. 15.08.2007).
Sempre com a ponderação relevante no sentido de que, todas as vezes que um idoso em situação de risco
ocupar o pólo ativo de uma demanda desta natureza, seja pela via da
tutela individual, seja pela via da tutela coletiva, nos termos do
artigo 75 do referido Estatuto do Idoso,
imprescindível será a intervenção do Ministério Público, sob pena,
evidentemente de ocorrência de nulidade processual, conforme disposto no
artigo 82 do Código de Processo Civil
(com a devida licença aos atos de Procuradores Gerais que buscam uma
suposta racionalização dos serviços ministeriais, convém que não se
esqueça de que, tais atos, emanados que são da Administração Pública lato sensu, são
dotados de eficácia meramente regulamentar não podendo, de modo algum,
suplantar o texto legal, podendo os juízes reconhecer monocraticamente
tal inconstitucionalidade, ainda que em sede de controle difuso).
E como neste trabalho a preocupação com a efetividade é candente, sendo, mesmo que se criou como uma liberdade pública, ou fundamental right, o direito ao tempo razoável de duração do processo, como previsto pelo artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, pela redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 45/04,
que instituiu a chamada “Reforma do Poder Judiciário”, parece
recomendável que, na dúvida, o Magistrado abra vista do processado ao
órgão ministerial, para que o custus legis avalie se o idoso se
encontra, ou não, em situação de risco (é óbvio que se o idoso for um
grande empresário, representado por um grande corpo de advogados, não se
cuidará de situação de intervenção ministerial, mas, caso contrário, o
legislador pretendeu erigir os interesses de pessoa idosa, nessas
condições, em interesse público relevante a recomendar a intervenção
ministerial), prevenindo a ocorrência de nulidades futuras (tal como
decorre do teor da norma contida no artigo 84 do Código de Processo
Civil), com o que, evidentemente, se evitará a perda de precioso lapso temporal.
Portanto,
na dúvida, convém que os magistrados não sejam responsabilizados por
causas de nulidade (ainda mais em tempos de efetividade e celeridade da
prestação jurisdicional), abrindo vistas dos autos aos Promotores de
Justiça, em ações deste jaez, não havendo escusas para que os membros do
parquet se recusem a acompanhar como custus legis, este tipo de demanda, ainda mais quando se cuidar de pessoa idosa hipossuficiente, em situação de risco.
E
de igual magnitude se tem revelado a discussão a respeito da
possibilidade de se atribuir aumentos arbitrários das prestações de
pessoas idosas, nesses contratos de seguros ou planos de saúde,
insistindo, muitas prestadoras, de forma abusiva, em expedientes
leoninos e contrários ao texto legal e ao poder regulamentar da ANS
(seus advogados acabam por expor os gestores às sanções legais do artigo
35 da Lei nº 9.656;98, além de indenizações e multas como estabelecido nos artigos 26 e 27
do mesmo diploma legal) em pretender coagir pessoas idosas a aumentos
abusivos (como sabido a ANS divulga os índices de correção anual dos
contratos e o Estatuto do Idoso, de forma expressa, não admite tal
discriminação).
E,
ainda mais, em entendimento não acolhido pela jurisprudência pátria, as
operadoras de tais planos e seguros tem buscado alegar que as garantias
do Estatuto do Idoso
somente atingiriam os contratos firmados sob sua égide, diante do
princípio da irretroatividade das leis, a que alude o advento da norma
contida no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, isoladamente considerado.
No
entanto, sempre com a maior vênia possível, tais argumentos não podem
prosperar eis que, em primeiro lugar, não se pode esquecer que esse tipo
de contratação, às mais das vezes, encerra em si mesma, não obrigações
instantâneas, mas, ao contrário, obrigações de trato sucessivo
(mensalmente o usuário paga para obter a proteção pelo respectivo mês),
de modo que tal raciocínio, simples por si só, já revelaria que, se uma
nova prestação se venceu no curso da vigência do Estatuto do Idoso
(ainda que o contrato tenha sido firmado em momento anterior), pelo
óbvio que as obrigações surgidas naquele novo mês (ante a própria
indisponibilidade do objeto saúde), somente podem ser aceitas se vistas
sob a égide da obrigação vigente quando de seu cumprimento.
Tanto
assim que, interpretando a questão, reconheceu o E. Superior Tribunal
de Justiça, que tais aumentos seriam iníquos e abusivos, não podendo
prevalecer, ainda mais porque, ainda que o contrato previsse aumentos em
momento futuro, quando o consumidor atingisse esta ou aquela idade,
enquanto isso não ocorresse, a prestadora ou fornecedora somente teria
uma mera expectativa de direito ao referido aumento, e, enquanto
expectativa, não poderia ser invocada, diante de lei nova que suprimiu
aquela possibilidade doravante.
Neste sentido, a acepção literal
do Julgado em questão, não deixa margens para dúvidas acerca da
impossibilidade de se alterar valores de prestação por faixas etárias em
detrimento de pessoas idosas, pedindo-se, portanto, vênia para sua
transcrição:
PLANO. SAÚDE. REAJUSTE. IDOSO. Discute-se a aplicabilidade do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) aos contratos de plano de saúde firmados antes de sua vigência que continham cláusula autorizadora da majoração de mensalidade por mudança de faixa etária. Na espécie, ao completar 60 anos, a autora teve reajuste de 185%. Destaca a Min. Relatora, invocando o acórdão recorrido, que o Estatuto do Idoso contém dispositivo contrário à legislação (Lei n. 9.656/1998) que rege os planos de saúde, pois veda a discriminação do idoso com cobranças de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, § 3º). A diretriz adotada no Tribunal a quo, ditada pelo princípio da aplicação imediata da lei, condicionou a incidência da cláusula de reajuste quando o usuário do plano de saúde atingisse a idade para o reajuste e não o momento da celebração do contrato. Isso posto, no caso em julgamento, a idade que confere à pessoa a condição jurídica de idosa realizou-se sob a égide do Estatuto do Idoso, por essa razão ela não está sujeita aos reajustes estipulados no contrato permitidos na lei velha. Outrossim, se a previsão de reajuste contida na cláusula só opera efeitos quando satisfeita a condição contratual e legal da idade, enquanto não atingir esse patamar, não há o ato jurídico perfeito nem se configura o direito adquirido de a empresa seguradora receber os valores reajustados predefinidos. Assim, a abusividade na variação das contraprestações pecuniárias deverá ser aferida em cada caso concreto, diante dos elementos que o Tribunal de origem dispuser, como se deu nesse processo. Ressalta ainda a Min. Relatora: no que não for reajuste decorrente de mudança de idade, o segurado submete-se às majorações normais dos planos de saúde. Prosseguindo o julgamento, após a renovação do julgamento, a Turma, por maioria, manteve a decisão a quo. REsp 809.329-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/3/2008.
Tampouco
este entendimento poderia ser tido como isolado (a inclinação
jurisprudencial se tem revelado como óbvia, parecendo que as operadoras
acabem por recorrer de modo apenas protocolar, apenas e tão somente o
que se lamenta, para assoberbar ainda mais a máquina judiciária estatal,
em detrimento de milhões de usuários de um sistema abarrotado e
azafamado por grande volume de serviços), eis que no mesmo ano, desta
feita em ação coletiva movida pelo Ministério Público, se continuou a
respaldar tal entendimento, esvaziando a tese defendida pelas
prestadoras de serviços de seguro-saúde e planos de saúde, em sentido
contrário (R. Esp, 989380-RN, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi,
09.12.2.008).
Reforça o argumento desta tendência, o fato de que,
em janeiro de 2.009, também em ação coletiva, reconheceu o direito a
consignar valores sem aumentos abusivos, por pessoas idosas (MC
15078-SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 15.01.2.009).
O
próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desde há muito,
comungava deste mesmo entendimento no sentido da proteção de
consumidores idosos em face de aumentos abusivos e abruptos dos valores
das mensalidades (o que, nessas condições, ante o posicionamento do
Superior Tribunal de Justiça tende a se tornar uma constante). Neste
sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação cominatória - Plano de saúde - Antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, do Código de Processo Civil)- Coexistência dos requisitos autorizadores da concessão - Prova inequívoca da contratação, da média histórica das contribuições - Aumento que é, em princípio, elevado, pois chega a praticamente quadruplicar o valor da prestação devida - Beneficiário que é sexagenário - Risco de prejuízos irrecuperáveis ou de difícil recuperação - Antecipação devida - Recurso provido. (TJSP - Agravo de Instrumento n. 116.632-4 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Linneu Carvalho - 23.11.99 - V. U.).
Nem a mesma a preocupação de que isso poderia implicar em discriminação (igualmente proibida pelo Estatuto do Idoso)
de pessoas idosas em contratos deste jaez - não se desconhecem práticas
de algumas seguradoras em querer, leoninamente, eliminar a alia
contratual, após anos de contribuição, rescindindo unilateralmente os
contratos – como se a boa-fé objetiva não existisse, eis que tal prática
já tem sido reconhecida como abusiva pelos Tribunais pátrios,
podendo-se destacar o seguinte entendimento a respeito do tema:
PLANO DE SAÚDE - A jurisprudência, mesmo sem o apoio do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e da norma que disciplina a atividade comercial de planos e seguros médicos (Lei n. 9.656/98), humanizou a função de contratos antigos, desautorizando rescisões imotivadas que discriminam conveniados idosos (artigo 1º, III e 196 da Constituição Federal)- Sentença consentânea com a socialização contratual e que reprime o abuso de direito - Recurso não provido. (TJSP - Apelação Cível n. 82.043-4 - São Paulo - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ênio Zuliani - 01.02.00 - V. U.)
Em caso análogo, também seria de se destacar:
PLANO DE SAÚDE - Resilição pela empresa do contrato que havia celebrado com associação de aposentados - Recusa daquela em aceitar o associado como contribuinte em caráter privado - Contribuinte que se encontrava sob tratamento quimioterápico em razão de malignidade da qual acometido - Pedido de tutela antecipada para que a cláusula contratual que permitia a denúncia não operasse efeitos, nas circunstâncias - Entendimento do pedido nesse modo, justificando-se a concessão da tutela antecipada requerida, nas circunstâncias, satisfeitos os pressupostos legais - Recurso da empresa não provido.(TJSP - Agravo de Instrumento n. 146.535-4 - São Paulo - 4ª Câmara de Direito Privado - Relator: Jacobina Rabello - 17.02.00 - V. U.)
Tudo isso sem que se esqueça de ponderar no sentido de que o Capítulo IV do Estatuto do Idoso, em seus artigos 15 a 19
já apresente um rol de garantias protetivas das pessoas idosas em
relação ao objeto saúde, como o direito de ser acompanhado em tempo
integral, em caso de internação hospitalar, com condições adequadas para
tal acompanhamento, com interessante ressalva no artigo 16, par. Único deste diploma legal, no sentido de que se médico não recomendar o acompanhamento deverá justificar-se por escrito.
De
igual sorte, de se observar ao idoso em gozo das faculdades mentais, o
direito de optar pelos melhores tratamentos de saúde para a sua
enfermidade (art. 17), devendo, ainda, o Poder Público, quando prestar
esse atendimento, propiciar treinamento especializado para as pessoas
que irão atender as pessoas idosas (art. 18), com a previsão de que a
geriatria e a gerontologia se inseriam como disciplinas obrigatórias de
cursos superiores[15].
Em
linhas gerais, essas as principais inferências legislativas no que diz
respeito às situações diferenciadas da questão da saúde de pessoas
idosas no direito brasileiro, o que nos leva à uma reflexão, nessa
década de vigência, a respeito do quanto isso vem sendo efetivamente
cumprido em nossa sociedade.
Basta ver pelo número de precedentes
jurisdicionais que há muitas tentativas de descumprimento que, no
entanto, não tem obtido guarida judicial, em dado muito positivo, que
revela o acerto da opção legislativa de explicitar o óbvio. Mas muito
ainda deve ser feito em sede de investimentos e melhoria do atendimento
sobretudo no setor público, como revelam notícias que dioturnamente
assoberbam os meios de comunicação de massa. Muito se fez,
mas aguarda-se que o restante venha a ser feito, em sede de concessão
de eficácia plena, à tutela dessa coletividade de idosos de nosso país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2.004.
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva, Comentários à Constituição do Brasil, Vol 8, São Paulo: Saraiva, 1.998.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª Edição.
CASSETARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2.011.
GONÇALVES, Alexandre; RODRIGUES Francini. Dez anos do Estatuto do Idoso – Revista Justiça e Cidadania, edição 156/32-35, agosto de 2.013.
ITÁLIA, Constituição da. Coleção Constituições do Mundo. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1.991.
MÉDICA, Vincenzo La. O Direito da Defesa, Campinas: M & E, 2.003.
PORTUGAL, Constituição da República. Rio de Janeiro: Destaque, 1.992.
SOUZA, Ana Maria Viola de. Tutela Jurídica do Idoso – a assistência e a convivência familiar. Campinas: Alínea, 2.004.
MÉDICA, Vincenzo La. O Direito da Defesa, Campinas: M & E, 2003, p. 9.
CASSETARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2.011, p. 401.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª Edição, 3ª Reimpressão, p. 1.224.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2.004.
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva, Comentários à Constituição do Brasil, Vol 8, São Paulo: Saraiva, 1.998, p. 1.036.
ITÁLIA, Constituição da. Coleção Constituições do Mundo. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1991, p. 25.
PORTUGAL, Constituição da República. Rio de Janeiro: Destaque, 1992, p. 37-38.
Especialidades médicas específicas da chamada terceira idade, o que
vale dizer que não basta um simples atendimento médico, mas que tal
atendimento médico ao idoso deve ser especial, levando em consideração
suas peculiaridades (o que se parece buscar não é a simples mantença da
vida de pessoas nessa situação, mas conferir uma qualidade de vida ao
idoso, como decorre das normas contidas nos artigos 8º e 9º do mesmo Estatuto do Idoso).
Ou seja, nessas condições, com maior razão, as tutelas devem ser
antecipadas sempre que possível, sob pena de provável esvaziamento, não
podendo o magistrado permitir que a demora implique na negativa do seu
dever de prestar jurisdição.
CDROOM. Júris Síntese Milenium, Vol. 32, Porto Alegre: Síntese, Brasil, novembro/dezembro de 2001.
Lamentavelmente uma situação cada vez mais comum, notadamente se for
levado em consideração que a grande massa de idosos desse país se
aposenta em condições, no mínimo, indignas, não tendo assegurados, de
forma efetiva, critérios de correção monetária do valor de seus
benefícios previdenciários (o que se dá, até em função de fatores
econômicos, com distorções na aferição do caixa da Previdência Social,
como comentado pelos especialistas em previdência). De todo modo, na
dúvida sobre a situação de risco, o Ministério Público deverá intervir,
prevenindo-se a ocorrência de causa de nulidade processual (nada impede
que, se após algum tempo, a situação de risco cessar, o douto
representante do parquet deixe de se manifestar nos autos do processo, por razões de obviedade singular).
Os patronos devem pleitear, portanto, a intimação do Ministério
Público, neste tipo de demanda, nos estritos termos da legislação
mencionada (artigos 75 do Estatuto do Idoso e 84 do Código de Processo Civil).
A própria ANS baixou resolução alterando entendimento anterior ao Estatuto do Idoso,
para que faixas etárias para aumento das prestações não ultrapassem a
idade de cinquenta e nove anos, evitando-se, com isso, burlas à atual
legislação federal, em mostra clara de que os planos de saúde e
seguro-saúde, não podem pretender utilizar expedientes deste jaez.
Tal fato foi amplamente divulgado quando do referido julgamento, não
sendo demais lançar, neste momento, o quanto divulgado, em nota oficial,
pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, em notícia acerca deste
fato: Tribunal veda discriminação de idoso com a cobrança de valores
diferenciados pelo plano de saúde O Superior Tribunal de Justiça (STJ)
manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que
condenou a Amil Assistência Médica Internacional Ltda a cancelar o
reajuste da mensalidade de cerca de 185% do plano de saúde da aposentada
O. P. S. R, após ela ter completado 60 anos. A Amil também foi
condenada a devolver em dobro o valor pago em excesso pela segurada,
corrigido monetariamente e acrescido de juros legais desde a citação. A
defesa da segurada afirma que ela aderiu ao plano de saúde oferecido
pela Amil em 2001 e que, em 2004, em razão de ter completado 60 anos de
idade, a mensalidade foi reajustada em cerca de 185%. Com base no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) e do Código de Defesa do Consumidor,
entrou com pedido no TJRJ para cancelar o reajuste e obter a devolução
em dobro dos valores pagos em excesso. O pedido foi julgado procedente.
Em seguida, a Amil entrou com recurso especial no STJ alegando que as
disposições do Estatuto do Idoso
não se aplicam aos contratos celebrados antes da sua vigência. A
relatora, ministra Nancy Andrighi, destaca que a perspectiva ditada pelo
princípio da aplicação imediata da lei confere a possibilidade de
condicionar a incidência da cláusula de reajuste por faixa etária igual
ou superior a 60 anos ao momento não da celebração do contrato, e sim de
quando a aludida idade foi atingida. Se o consumidor usuário do plano
de saúde atingiu a idade de 60 anos já na vigência do Estatuto do Idoso,
fará ele jus ao abrigo da referida lei. Assim, se o implemento da idade
que confere à pessoa a condição jurídica de idosa realizou-se soa a
vigência da lei nova, não estará o consumidor usuário do plano de saúde
sujeito ao reajuste estipulado no contrato e permitido pela lei antiga.
Estará amparado, portanto, na lei nova. A ministra esclarece a decisão
não está alçando o idoso à condição que o coloque à margem do sistema
privado de planos de assistência à saúde, “porquanto estará ele sujeito a
todo o regramento emanado em lei e decorrente das estipulações em
contratos que entabular, ressalvada a constatação de abusividade que,
como em qualquer contrato de consumo que busca primordialmente o
equilíbrio entre as partes, restará afastada por norma de ordem
pública”, assinala. Por maioria, a Terceira Turma do STJ não conheceu do
recurso da Amil esclarecendo que o plano de saúde do segurado
submete-se aos reajustes normais. E, assim, manteve a decisão que
condenou a empresa à devolução em dobro do valor pago em excesso pela
segurada do plano.
SOUZA, Ana Maria Viola de. Tutela Jurídica do Idoso – a assistência e a convivência familiar. Campinas: Alínea, 2.004, p. 115.
GONÇALVES, Alexandre; RODRIGUES Francini. Dez anos do Estatuto do Idoso – Revista Justiça e Cidadania, edição 156/32-35, agosto de 2013.
Por Júlio César Ballerini Silva e Carolina Amâncio Togni Ballerini Silva