Em princípio por causa das juras de amor eterno quando se realiza o
casamento, muitos casais não atentam para algo de extrema relevância que
poderá causar, minimizar ou até evitar uma série de transtornos
futuros, a escolha do regime de bens.
É lógico que torcemos para
que as pretensões de união perpétua se efetivem, mas nas estatísticas
oficiais e nas populares conversas de rua, tem sido bastante comum
vermos casais se separando e entrando em verdadeira guerra na hora da
partilha do patrimônio. Nem entrarei no mérito de quando se tratam de
divórcios mais conflituosos com interesse de filhos ou outras questões,
para não nos prolongarmos em demasia e fugirmos do cerne da questão que é
tratar dos regimes de bens previstos no Código Civil.
A
conversa sobre a escolha é de extrema importância, mas é claro, alguém
haverá de tomar a iniciativa, iniciando o assunto com jeitinho,
conversando com carinho, para que o casamento venha a se efetivar de
modo o mais pacífico possível.
Pois bem. Nosso Código Civil, entre os artigos 1.658 e 1.688,
previu quatro regimes, que serão livremente escolhidos pelos
nubentes/noivos, quando da realização do casamento, sendo eles: a
comunhão parcial, a comunhão universal, separação de bens e a
participação final nos aquestos.
Entender cada um é fundamental para auxiliar na hora da escolha!
O primeiro deles, a COMUNHÃO PARCIAL,
nas palavras do professor Pablo Stolze "genericamente, é como se
houvesse uma 'separação do passado' e uma 'comunhão do futuro' em face
daquilo que o casal, por seu esforço conjunto, ajudou a amealhar¹."
Traduzindo:, significa que o que cada um entrou no casamento não será
partilhado, mas tão somente o que for adquirido a partir do início da
união do casal.
Imagine que João antes de casar com Maria tinha
um apartamento, seja por compra, herança, doação ou qualquer outra
hipótese. Ao contrair as núpcias, o casal adquire um carro e uma casa de
praia e resolve se separar. O imóvel que já existia quando ocorreu o
casamento não é partilhado, ficando exclusivamente para João. Quanto ao
carro e a casa de praia, cada um dos cônjuges terá direito à metade.
Isso é a regra geral, há algumas especificidades que iremos debater aqui. Inicialmente faço menção ao artigo 1.660 do Código Civil que indica quais são os bens que fazem parte da comunhão, ou seja, integram o patrimônio do casal, são de ambos os cônjuges:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V
- os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge,
percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a
comunhão.
O primeiro é auto-explicativo. Comprou na constância do casamento? Divide entre os dois!
O
segundo inciso pode ser exemplificado com os casos de prêmios de
loteria. Se algum dos cônjuges for sorteado, divide-se o prêmio.
Quanto ao terceiro se o bem for direcionado para ambos, entra na partilha.
Na
quarta hipótese, volto ao exemplo de João. Se o imóvel vale R$
100.000,00 e ele resolve reformar e termina por ocasionar uma
valorização de R$ 20.000,00, passando o imóvel a valer R$ 120.000,00,
esse acréscimo, e somente ele, poderá ser dividido entre o casal.
Por fim, no quinto inciso, a renda de aluguel, por exemplo, deve ser dividida igualmente entre os cônjuges.
Noutro
norte, não são divididos os bens que cada cônjuge possuiam ao casar,
bem como os adquiridos em decorrência desses que já existiam. Retornando
a João, se ele vender o apartamento e comprar uma casa no mesmo valor,
ainda que já na constância do casamento, essa casa não será partilhada.
Também
não são partilhados os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de
profissão, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (salário),
as pensões e outras rendas semelhantes.
Em que pese o artigo 1.659, VI do Código Civil
dizer que o salário e as rendas não se comunicam, o Superior Tribunal
de Justiça (REsp 758548) tem adotado entendimento contrário e tem várias
decisões no sentido de que verbas rescisórias de relação de emprego,
entram sim na partilha, à exemplo, do FGTS.
Na COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS a regra geral é de que tudo integra o patrimônio do casal, sejam bens presentes ou futuros.
Reportando-se
mais uma vez ao caso de João, aquele apartamento passa a ser também de
sua esposa, desde o casamento, integrando o patrimônio comum.
Nessa
hipótese, são excluídos da partilha os bens doados ou herdados com a
cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar.
Isso
significa que se um dos nubentes receber algum bem e ao perceber houver
essa cláusula de "incomunicabilidade", ele não se reverte em favor do
outro e é de propriedade exclusiva de quem teve essa graça. Também não
integram o patrimônio do casal as dívidas anteriores ao casamento, salvo
se forem realizadas em prol da festa e preparativos ou, se de algum
modo, beneficiar a outra parte.
Assim como na comunhão parcial, o salário e as rendas, bem como os instrumentos de trabalho, não se comunicam.
Por
fim, há a previsão de incomunicabilidade do fideicomisso, que, segundo
Caio Mário da Silva Pereira, “consiste na instituição de herdeiro ou
legatário, com o encargo de transmitir os bens a uma outra pessoa a
certo tempo, por morte, ou sob condição preestabelecida”². O
fideicomisso é praticamente inexistente no direito brasileiro, razão
pela qual não nos estenderemos nele.
No terceiro regime, a SEPARAÇÃO DE BENS, a regra é: "o que é meu, é meu. O que é seu, é seu."
Desse
modo, cada um sai do casamento com o que entrou e se houver aquisição
de patrimônio na constância do casamento, o dono com exclusividade será o
que registrar o bem. Nessa hipótese, se houver esforço comum, é
aconselhável que a compra seja feita em nome dos dois, posto que se for
realizada em nome apenas de um, já era. Para reclamar depois só com ação
na justiça mas que para o êxito tem de restar muito bem demonstrado a
efetiva realização de dispêndio para a aquisição dos bens que se
pretende partilhar.
Por fim, na PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS,
o trataremos de modo bem sucinto, tendo em vista que esse regime é
praticamente inexistente, tendo em vista sua extrema dificuldade de
aplicação prática.
Para que o leitor possa compreendê-lo, é
necessário ter em mente cinco massas patrimoniais distintas. Duas,
decorrentes do patrimônio que cada nubente tinha, antes de casar, duas
decorrentes do que cada um adquiriu na constância do casamento por
esforço próprio e por fim uma última massa decorrente do que foi
construído em conjunto.
Esse regime, para ser aplicado nos termos
de nossa legislação, exige profunda organização contábil de ambos os
cônjuges para que se apure o modo de contribuição de cada um para a
construção do patrimônio, tendo em vista que na hipótese de divórcio,
apurar-se-á o montante que cada um faz jus, excluindo-se da soma dos
patrimônios próprios: I - os bens anteriores ao casamento e os que em
seu lugar se sub-rogaram (exemplo de João novamente); II - os que
sobrevieram a cada cônjuge por sucessão (herança) ou liberalidade
(doação); III - as dívidas relativas a esses bens.
Quando eu
disse que é necessário extrema organização contábil, afirmei sob o
argumento que um dos fatores que serão considerados serão as doações
tácitas feitas entre o casal bem como as dívidas contraídas que tenham
revertido em proveito comum.