Portanto, o estelionato é
caracterizado por induzir alguma pessoa a uma falsa concepção de algo com a
finalidade de adquirir benefício ilícito para si ou para outrem.
Ademais, o
estelionato sentimental é caracterizado pela existência de confiança amorosa
entre um casal, de modo que uma pessoa deste casal usa de meios ardilosos com a
confiança do sentimento para que obtenha vantagens ilícitas para si ou para
outrem e o alvo, em sua maioria, são mulheres, respeitadas profissionalmente e
bem-sucedidas.
Logo, antes de pensar que achou o amor da
sua vida, certifique-se de que não esteja dormindo com o inimigo.
Com a internet, considerando
que a rede é pública e possibilita diversas formas de relacionamento
interpartes, existe aí um pseudo anonimato entre os seus frequentadores. Ainda
há muito que se caminhar na sua regulação e dos meios virtuais. Tomemos como o
exemplo, o que acontece nos sites e aplicativos de relacionamento, nas redes
sociais e aplicativos de mensagens.
A
paquera, os relacionamentos amorosos, as relações pessoais se realizavam cara a
cara, olho no olho ou voz a voz. Agora, há quem se esconda em perfis falsos,
utilizam da má-fé, do engodo, da fraude, da boa-fé ou da fragilidade alheia, no
qual a sensação de anonimato, a falta de vigilância e limites e, sobretudo, da
impunidade, faz com que os usuários destas ferramentas se sintam num mundo sem
controle.
Recentemente
vários são os casos relatados e atribuídos com o nome de “estelionato amoroso”.
Vejamos:
“Um Homem de 27 anos foi preso preventivamente
em Guarapari/ES acusado de estelionato amoroso. A ação contou com o apoio
do serviço de inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social
(Sesp), que ajudou na localização do suspeito. A prisão foi efetuada em uma
residência do bairro Praia do Morro, em Guarapari, onde o suspeito trabalhava
como arquiteto. Com ele foi apreendido um cartão em nome de uma das vítimas,
relacionado a uma conta bancária aberta em seu nome. De acordo com Nicolle
Castro, a prática conhecida como “estelionato amoroso” é caracterizada pelo
envolvimento romântico do criminoso com a vítima, com a finalidade, exclusiva,
de enganá-la para receber vantagens econômicas. ‘Aqui no Estado, investigamos o
caso de uma vítima que fez uma denúncia afirmando ter conhecido o criminoso por
meio de um aplicativo de relacionamento e iniciou um relacionamento romântico
no mês de março. Desde então, ele já havia aplicado diversos golpes pedindo
dinheiro com promessa de investimentos e sociedade em obras’, afirmou a
delegada”.
“Um homem de 38 anos foi preso em flagrante no
centro de Curitiba, na noite desta quarta-feira (19), quando receberia uma alta
quantia em dinheiro de uma mulher, de 44 anos, com que ele mantinha um
relacionamento amoroso há cerca de um ano. O golpe já havia resultado em mais
de R$ 70 mil”.
“Um servidor público no Piauí perdeu
aproximadamente R$ 70 mil no golpe do namoro virtual. O delegado Matheus
Zanatta, titular da Gerência de Polícia Especializada (GPE), explica que a
vítima manteve um relacionamento pela internet por cerca de dois anos com uma
pessoa que se passava por uma mulher, mas na verdade, era um estudante de
Fisioterapia da cidade de Parnaíba, no litoral do Piauí”.
Antes
de analisar o caso em si, em especial no que se refere a possibilidade de
caracterização desta figura de estelionato, ora denominado amoroso, sentimental
ou afetivo, necessário tecer algumas considerações acerca do referido tipo
penal presente no artigo 171 do Código Penal.
Do Estelionato
O
estelionato, como crime patrimonial que é, vem tratado no capítulo VI, do
Título II, da Parte Especial do Código Penal com a seguinte rubrica: “Do
Estelionato e das outras Fraudes”.
Vale
dizer, então, que o estelionato nada mais é do que uma espécie de fraude.
Tem
assim a seguinte redação:
“Art. 171: Obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e
multa”.
Como núcleo do
tipo, a conduta criminalizada se refere ao verbo obter que
tem por significado vir a ter, ter êxito,
conseguir, ganhar, adquirir, alcançar, mas especificamente obter o
quê?
Alcançar
uma vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio
fraudulento. Portanto, a característica fundamental do estelionato é a fraude,
utilizada pelo sujeito ativo para induzir ou manter a vítima em erro, com a
finalidade de obter vantagem patrimonial ilícita.
Estelionato amoroso fato típico?
Após
análise dos elementos caracterizados do crime de estelionato, previsto no art.
171 do CP, não há como afastar a incidência do referido tipo penal para os
casos retratados e denominados como estelionatos amorosos, sentimentais ou
afetivos.
A denominação
estelionato sentimental apareceu pela primeira vez no processo do juízo da 7ª
Vara Cível de Brasília – Tribunal de Justiça do Distrito Federal [4],
ocasião em que condenou um homem a restituir à ex-namorada valores referentes a
empréstimos e gastos diversos efetuados na vigência do relacionamento no
montante de R$ R$ 101.537,71.
Naquele
contexto, para a definição do estelionato sentimental, partiu-se da premissa de
dois pressupostos do relacionamento amoroso que caracterizaram a responsabilidade
civil: abuso de direito e a boa-fé objetiva.
Diz
o artigo 187 do Código Civil:
“Art. 187: Também comete ato ilícito o titular
de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Frise-se
que a ilicitude, no caso analisado, advém da quebra dos direitos e deveres que
recaem sobre os relacionamentos intersubjetivos, que são reconhecidos como
direitos anexos ao princípio da boa-fé objetiva, ora esculpida no artigo 422 do
Código Civil:
“Art.
422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”
Portanto,
as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas, elementos
indispensáveis na vida de uma relação.
E a
denominação não se cingiu apenas ao âmbito do Direito Civil, mas sendo também
utilizada no Direito Penal.
Veja,
não se trata apenas de uma simples criação da doutrina ou da jurisprudência,
mas sim, uma adequação do tipo penal em abstrato a uma conduta praticada a
casos concretos fazendo-se, portanto, a subsunção penal, utilizando-se, pois da
denominação: estelionato amoroso, sentimental ou afetivo.
A
ele tem-se conceituado como uma relação de caráter emocional e amoroso para
“obter para si ou para outrem vantagem lícita em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício ardil ou qualquer meio
fraudulento”.
Aqui
é importante uma ressalva: não se exige um relacionamento amoroso estável,
namoro, por exemplo. Basta que haja uma relação de confiança estabelecida entre
sujeito ativo (agente) e passivo (vítima). E nem há que se falar em que somente
mulheres são vítimas deste delito. Muito pelo contrário. Homens também o são.
Não há escolhas por gênero, por idade, por classe social ou escolaridade. Aqui,
até as pessoas consideradas mais instruídas, vividas e consideradas “espertas”,
do ponto de vista de experiência, podem ser vítimas dos agentes que utilizam de
vários meios de cilada, ardil e artifício para perpetrar qualquer tipo de
fraude. Não há pessoa que seja imune a ela.
Normalmente,
as vítimas passam ou passaram por traumas afetivos, decorrentes de separação,
viuvez, relacionamentos anteriormente frustrados, problemas familiares ou no
trabalho, dentre outros.
Conclusão
Portanto,
não há dúvida de que se trata de ilícito penal, plenamente possível a aplicação
do crime previsto no artigo 171 do Código Penal aos agentes que utilizam destas
relações para a obtenção de vantagem ilícita.
Até
24 de dezembro de 2019, a ação penal para o crime previsto no referido artigo
era pública incondicionada, vale dizer, cuja titularidade de propositura de
ajuizamento era do Ministério Público, conforme artigo 129 da Constituição
Federal e artigos 100 do CP e 24 do CPP.
Todavia,
conforme alteração proposta pela Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime), que inseriu o
parágrafo 5º no artigo 171 do Código Penal, a ação penal passou a ser pública
condicionada a representação do ofendido, sendo certo que caberá a vítima
representar junto aos órgãos competentes, no prazo decadencial de 6 (seis)
meses, a contar da data da ocorrência do fato ou do conhecimento de quem é o
autor do crime, para só assim as medidas judiciais cabíveis possam ser
providenciadas.
E o
que fazer?
Como medida preventiva:
1) - Cuidado
ao se expor nas redes sociais e nos aplicativos de relacionamentos. Todo
cuidado é pouco.
2) - Não
compartilhe seus dados pessoais e não empreste seus documentos, cartões e
senhas de bancos.
3) - Em caso
de encontros com desconhecidos, sempre o faça em locais públicos.
4) - Verifique
informações dos perfis de seus pretendentes e desconfie daqueles com “vidas e
trabalhos perfeitos”, vestimentas, carros e demais “penduricalhos” caros.
5) - Não
empreste e/ou doe bens ou valores a quem quer que seja, em especial a quem
acabou de conhecer. Há mecanismos jurídicos que asseguram minimamente o
retorno.
Como medida corretiva:
6) - Não se
envergonhe. Não há inteligência ou perspicácia que nos imunize da fraude. Caso
seja vítima, procure as autoridades.
7) - Guarde
comprovantes de compras, empréstimos (conhecidos pelos agentes como “doações”)
e demais gastos realizados. Eles servirão para instruir eventuais medidas
judiciais.
8) - Arquive
conversas de aplicativo de mensagens, e-mails e bilhetes.
Fonte: Internet
Por: Gelber Xavier de Freitas (Advogado)
@gelber_freitas